Edição 371
No contexto da crescente educação financeira no Brasil e da busca por alternativas à previdência pública (INSS), a previdência complementar, especialmente as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), tem se tornado fundamental para garantir uma aposentadoria segura. As EFPCs são responsáveis por cerca de 95% dos pagamentos de aposentadorias nos últimos dez anos, conforme relatado pelo Ministério da Previdência Social. Embora perceba-se uma evolução do conhecimento sobre os produtos de investimento, há significativo impacto nas captações destes quando estão expostos a altas volatilidades, efeito este bastante observado nos Planos de Previdência Complementar de Contribuição Definida e Variável com o advento da Resolução CNPC nº 37, que estabeleceu a marcação a mercado como a forma padrão de avaliar os ativos, especialmente os títulos públicos federais de longo prazo.
A marcação a mercado ajusta o valor dos ativos de acordo com seus preços de venda no momento da avaliação. Essa prática, embora justificada por sua transparência, suscita críticas por sua vulnerabilidade à volatilidade. Mesmo sem vendas, os preços dos títulos podem variar drasticamente devido a fatores econômicos e políticos, impactando as reservas dos participantes. Durante períodos de crise ou instabilidade, essa volatilidade pode minar a confiança dos segurados, levando a um ciclo vicioso de aversão ao risco e retiradas de investimentos. O resultado é uma pressão crescente sobre os planos de previdência, prejudicando sua estabilidade e crescimento.
Além disso, gestores de investimento sob pressão para apresentar resultados podem adotar estratégias de curto prazo em resposta a quedas acentuadas nos preços dos ativos. Essa abordagem compromete o desempenho de longo prazo dos planos de previdência, que deveriam ser geridos com uma perspectiva de décadas, em vez de meses.
Uma proposta recente, a “marcação a mercado do passivo”, surgiu como uma tentativa de mitigar a volatilidade, mas é ainda mais inadequada e caótica. Ajustar as obrigações futuras de pagamento conforme as flutuações de mercado distorceria os indicadores de saúde financeira dos planos e aumentaria a pressão sobre os gestores, que teriam que justificar as variações nas obrigações, consequentemente, gerando confusão e insegurança nos atuais participantes, desestimulando novos participantes, podendo inclusive resultar em resgates em massa naqueles momentos críticos.
As falhas na Resolução CNPC nº 37 são notáveis, pois não oferecem diretrizes adequadas sobre como os gestores devem lidar com a volatilidade, deixando margem para interpretações prejudiciais e práticas de gestão inadequadas. Outro aspecto crítico é a heterogeneidade do nível de educação financeira dos participantes; muitos segurados podem não compreender plenamente como a marcação a mercado afeta suas reservas, levando a decisões impulsivas em momentos de instabilidade, o que pode resultar em descontentamento generalizado com os planos de previdência.
É urgente revisar a CNPC nº 37, permitindo a marcação na curva de títulos públicos de longo prazo e, até mesmo, de títulos privados de mercados regulados como debêntures de infraestrutura e Letras Financeiras seniores, desde que com vencimentos adequados, para promover um melhor alinhamento entre ativos e passivos. Como forma de melhorar o ALM (Asset Liability Management) definir-se-ia que tais títulos públicos ou privados deveriam ter taxas pré-fixadas ou, nos casos de pós-fixados, serem indexados ao mesmo índice do passivo do plano que os adquirisse. Essa seria uma das formas de se reduzir a volatilidade dos resultados dos planos, portanto, muito similar ao que previa a regra anterior e como em parte ainda é permitido hoje para os Planos de Benefício Definido.
Essa mudança não apenas atenderia ao interesse dos participantes na estabilidade, mas também poderia estimular a taxa de poupança do país, que atualmente é baixa, alcançando apenas 15,4% do PIB no segundo trimestre de 2024. Além disso, a alteração na abordagem da dívida pública, que hoje apresenta um prazo médio de apenas 4,11 anos, poderia resultar em um alongamento dessa dívida, contribuindo para um cenário econômico mais saudável.
Por fim, é essencial encontrar um equilíbrio entre a transparência e a proteção dos interesses dos participantes, garantindo que os planos de previdência cumpram sua função de proporcionar uma aposentadoria digna e segura para os brasileiros. O futuro financeiro de milhões de segurados depende da eficácia das decisões tomadas hoje, o que torna essa discussão ainda mais crítica para a sustentabilidade da previdência complementar no Brasil.
LINKS para os dados citados:
https://www.gov.br/previdencia/pt-br/assuntos/previdencia-complementar/mais-informacoes/arquivos/rgpc_2024_2tri_24-10-16.pdf
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/09/03/taxa-de-poupanca-e-a-mais-baixa-para-2o-trimestre-em-cinco-anos-diz-ibge.ghtml
https://www.tesourotransparente.gov.br/temas/divida-publica-federal/estatisticas-e-relatorios-da-divida-publica-federal
Sérgio Brito Clark é diretor de Administração e Investimentos da Capef