Edição 361
A ocorrência de fenômenos climáticos extremos em várias partes do mundo é notória e tem levado importantes segmentos econômicos a encarar de frente essa questão para entender como os negócios podem ser afetados por uma ocorrência dessas, seja inundação ou seca prolongada, furacão ou ondas de calor trazidas por correntes marítimas como o El Niño. Conversamos sobre isso com a gerente de temas ESG da Santander Asset Management, Luzia Hirata. Na gestora há pouco mais de um ano, Hirata atua na área de sustentabilidade há mais de 20 anos, com passagens pela PwC Brasil, onde atuou como gerente de desenvolvimento sustentável, e Lacan Ativos Reais, atuando como gerente de sustentabilidade. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista que deu à Investidor Institucional:
Investidor Institucional - O setor financeiro está atento a essas discussões sobre mudanças climáticas, de ocorrência de eventos climáticos extremos?
Luzia Hirata - Há uma discussão bem interessante, inclusive no âmbito da própria CVM, sobre o uso de instrumentos financeiros para tentar fomentar economias mais sustentáveis, com menor impacto social e ambiental, com menor impacto climático. A CVM tem tentado, via laboratório de inovação financeira, discutir com o mercado essas soluções. A questão é como direcionar recursos para uma economia mais sustentável, obviamente que entendendo a lógica do setor financeiro, que busca retornos para os investimentos. Há várias iniciativas nesse sentido, de instrumentos específicos para tentar viabilizar projetos de impacto ambiental ou sociais, mas ainda numa escala muito pequena. Eu acho que o grande desafio que a gente tem aqui, no setor financeiro, é dar escala para esses instrumentos.
Onde ocorrem essas dificuldades de escala?
Tem um monte de coisa acontecendo, estruturas de blend of finance, no qual você captura um dinheiro de um multilateral para tentar tornar a operação um pouco mais barata, tem os títulos rotulados como ambientais, sociais, climáticos, de transição, mas ainda assim a gente ainda se depara com a questão da escala.
Também no caso da emissão de créditos de carbono?
Essa é uma discussão um pouco mais complicada, porque para você viabilizar o mercado de carbono, seja dentro do mercado regulado ou dentro de um mercado voluntário, você precisa ter alguns instrumentos. Você tem que ter um arcabouço legal, depende de regras, de projeto de lei definidos pelo governo. A gente tinha andado com isso, depois parou, agora está voltando. Esse é um mercado que exige alta credibilidade, porque você está precificando algo para não acontecer, está precificando reduções de emissões, algo que não é palpável. Então, você tem que ter metodologias, tem que ter organismos que certifiquem, que assegurem a geração desses créditos com alta credibilidade e, nos últimos anos, a gente teve uma crise de credibilidade dessas emissões de carbono. Vários grandes projetos foram questionados, no Brasil, na Indonésia, mundo afora, dizendo: espera aí, o que vocês estão dizendo não é bem assim, o tamanho é muito menor do que foi divulgado.
Você acha que a discussão sobre esse mercado foi colocada de forma prematura?
No meu entendimento a gente tem um mercado de carbono potencial, que é bastante interessante, mas tem outro tema que a gente também tem que focar, que é reduzir as emissões de fato. Todos os setores, sejam eles de combustíveis fósseis, energia, agricultura, florestas, transporte, transporte aéreo, marítimo, vão ter que pensar em reduzir de fato as suas emissões para que a gente consiga ter um efeito positivo no clima, que é muito demorado. Você não mexe na temperatura do clima de uma hora para outra, o que a gente está sentindo hoje os efeitos de uma atividade que tem acontecido pelo menos há duzentos anos.
Você é otimista com relação a isso?
Olha, eu não digo que eu sou pessimista, mas eu tenho acompanhado esse mercado há vinte e poucos anos e pouca coisa andou. Teve reduções, de fato, mas pouco andou. E, por outro lado, o clima está mudando rapidamente e todo mundo está vendo isso. Não é mais um papo de cientista maluco, como há 20 anos atrás quando eu trabalhava em consultoria nesse tipo de projeto, quando o pessoal achava que a gente estava vendendo fumaça.
O mercado financeiro está atento a isso?
Está super atento. Por quê? Porque eles já estão sentindo os impactos nos ativos financeiros. Seguradoras, por exemplo, olha o impacto que elas estão sofrendo em função dos eventos climáticos extremos no mundo todo. Não é só aqui no Brasil. No México, em Acapulco, teve um evento super extremo (furacão Otis passou de tempestade tropical à categoria 5 em apenas 12 horas, deixando 24 mortos). O verão europeu bateu recorde de temperatura. O setor financeiro vai ser bastante afetado por mudanças muito grandes nas cadeias produtivas, seja no setor de agronegócios, no setor de moda, no de seguros.
E o segmento de fundos de pensão, acha que ele está de fato atento a isso?
Olha, pelas interações que eu tenho com grandes fundos de pensão globais, que estão incorporando essa abordagem ESG já há algum tempo, eu diria que sim. Mas aqui no Brasil, embora eu não seja uma super conhecedora do setor, eu diria que por algumas características muito específicas há uma grande preocupação com o retorno de curto prazo. No Brasil, muitos acham que, com disponibilidade de ativos de renda fixa que são muito mais seguros, não faz sentido ficar avaliando esses impactos no longo prazo. Apesar disso, muitos institucionais brasileiros já estão debatendo sobre isso, e se a gente começar a ter um ambiente de taxa de juros mais baixas, onde a gente tenha que buscar ativos de mais risco, com certeza as questões ESG vão ter que ser analisadas.
Você tem tido encontros com fundos de pensão brasileiros para falar sobre isso?
Eu tenho participado de várias discussões com fundos de pensão brasileiros, discutindo o potencial impacto dessas mudanças relacionadas a aspectos ESG sobre os setores mais críticos, sobre os ativos mais críticos. E não só pensando no retorno de curto e longo prazo, mas inclusive nos riscos que podem impactar alguns setores, alguns ativos. É toda essa sustentabilidade, garantindo a continuidade dos recursos para os seus beneficiários.
Como essa discussão das mudanças climáticas deve ser colocada na Cop28, em Dubai?
Eu acho que a Conferência das Mudanças Climática da ONU que vai acontecer daqui há algumas semanas em Dubai vai apontar o peso dos fenômenos climáticos e a necessidade do financiamento para fazer uma transição energética. Porém, a Cop28 vai acontecer nos Emirados Árabes Unidos, ou seja, dentro de uma região que é super dependente de combustíveis fósseis, e eu acho que uma das ideias de trazer a Cop para essa região foi justamente chamar o pessoal do setor que vai ser mais impactado para essas discussões.
O governo brasileiro tem cobrado que os países ricos coloquem dinheiro na mesa para financiar uma transição energética. Qual é a tua opinião sobre isso?
Existem muitos estudos, e eu não vou conseguir me lembrar exatamente dos números ou das fontes, mas realmente vai ser necessário muitos recursos para financiar a transição para uma economia de mais baixo carbono. Os países europeus, os países mais desenvolvidos, eles se comprometeram alguns anos atrás com financiar essa transição, mas de fato não houve o desembolso. A forma como isso vai ser desembolsado é que acaba entrando nas negociações da Cop. Então, eu acho que sim, vai precisar ter ali investimentos para viabilizar essa transição. Investimentos em tecnologias também para conseguir fazer com que a gente tenha ali um volume de reduções de emissões mais intenso.
A guerra da Ucrânia impactou essa transição para uma economia de baixo carbono?
Sim, complicou muito a discussão. Houve uma preocupação bastante grande de como substituir o gás natural da Rússia, e a própria Europa voltou atrás em algumas decisões, voltando a investir em energia nuclear e em outros combustíveis fósseis, inclusive. Então, tem muitos fatores que estão complicando essa transição climática.
O Brasil tem avançado bastante na construção de uma matriz energética diversificada, renovável e limpa. Como isso pode ajudar no desenvolvimento do País?
A gente tem um diferencial bem significativo na questão energética, com uma variedade de fontes de energia renováveis bastante grande, o que dá uma segurança de geração de energia interessante. Tem também uma competitividade na discussão do hidrogênio verde. Mas tem que mostrar que está reduzindo o desmatamento, que está atuando de uma forma mais diligente nos controles. Até porque, no Brasil uma das maiores fontes de emissão não é o combustível fóssil, é o desmatamento. Além disso, conversando com alguns investidores estrangeiros que olham para o Brasil, uma das questões que eles sempre apontam é justamente a segurança jurídica no Brasil, de lidar com as reformas que devem ser feitas. Mas, do ponto de vista da segurança energética, a gente tem a capacidade de fornecer energia de uma forma muito mais equilibrada, combinando hidrelétricas com eólica e solar para que a gente possa ter uma geração muito mais robusta.
Como se coloca essa vantagem num cenário de mudança das cadeias produtivas globais, com empresas voltando para países de origem ou perto deles, no chamado nearshoring?
A gente tem um contexto geopolítico global que faz com que o Brasil realmente tenha alguns diferenciais importantes, interessantes, mas eles têm que ser abordados e tratados em conjunto com aspectos ESG. A gente está falando de três caixinhas, muito interligadas umas às outras, e a gente não tem sustentabilidade nos nossos negócios se a gente não olha para tudo de uma forma combinada. Por exemplo, existe hoje na Europa e em outros países subsídios para carros elétricos, mas num país cuja geração de energia seja basicamente térmica, a carvão, qual é a grande vantagem do carro elétrico? E nessa corrida de carros elétricos, a produção de baterias elétricas envolvem o consumo de muitos metais que são escassos ou cuja extração estão em países africanos e em condições extremamente precárias, com impacto social bastante grande, ambiental também, e sem muito controle. São questões bastante complexas, envolvem uma relação custo-benefício.
Mudando um pouco de assunto, o que muda nos fundos com foco em ESG com a nova Resolução 175 da CVM?
A Anbima já vinha trabalhando na definição de critérios de autorregulação há algum tempo, desde 2020/2021, e em 2022 foi definido um critério de autorregulação que permite o uso do sufixo IS aos fundos que tenham o objetivo de gerar algum benefício ambiental, social, de governança corporativa através dos seus investimentos. Também foi criada uma segunda categoria, de fundos que integram as questões ESG mas sem necessariamente ter um objetivo específico de desenvolvimento sustentável. Mas elas focaram bastante em fundos de ações e crédito privado, porque no final das contas são dois tipos de ativos que envolvem avaliação das atividades de uma companhia ou de um determinado projeto. E aí, depois de um tempo, a Resolução 175 da CVM resolveu incorporar esses critérios para a identificação de fundos de investimentos sustentáveis. Ela fez isso dentro do artigo 49, que ele é bastante simples, muito alinhado com a autorregulação da Anbima. Inclusive a própria Anbima revisou o texto, na época.
Quer dizer que a resolução da CVM não traz novidades nessa questão ESG?
A CVM entendeu que, como regulador, eles não tinham naquele momento uma equipe, um time que pudesse supervisionar todos os fundos. Então, o que ficou é decidido que eles iriam seguir na Resolução 175 uma linha simplificada, alinhada com a autorregulação da Anbima. Então, na verdade, foi um aval do regulador, da CVM.