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Multimercados devem se reinventar
Sem bons resultados há três anos, essa classe de fundos terá que se reinventar, rever suas estruturas, sua precificação, quando os juros começarem a cair

Edição 369

Mosca,Aquiles(BNP) 24ago 08aApostando na queda da taxa de juros nos Estados Unidos na reunião do Fed em setembro, o novo CEO da BNP Paribas, Aquiles Mosca, avalia que as condições para isso estão dadas. “A inflação lá está cedendo e convergindo para a meta, o conjunto de dados mais longos, incluindo renda, salários, emprego e nível de atividade, estão sugerindo condições de essa redução de juros já na reunião de setembro”, diz. Veja abaixo os principais trechos da entrevista que ele concedeu à investidor Institucional:

Investidor Institucional - Como você está vendo o atual cenário econômico?
Aquiles Mosca - O cenário externo básico, para nós, ainda continua sendo de pouso suave na economia norte-americana. Os dados que saíram recentemente estão confirmando que a gente caminha nessa trajetória e que aumentou muito a probabilidade de uma redução de juros na reunião de setembro. A inflação lá está cedendo e convergindo para a meta, o conjunto de dados mais longos, incluindo renda, salários, emprego e nível de atividade, estão sugerindo condições de uma redução de juros já na reunião de setembro. Isso deve dar um grande alívio para o cenário externo, a gente está nessa pressão já há algum tempo, provocando movimentos muito extremos no mercado. Quando sai algum dado que questiona esse pouso suave, como aconteceu algumas semanas atrás, você tem uma piora muito exacerbada dos cenários, e quando saem dados confirmando que essa probabilidade é maior, você tem uma melhora também muito brusca.

A eleição nos EUA pode trazer algum ruído esse cenário que você desenha, de pouso suave?
Pode sim, claro, mas na nossa visão, mais do que ver quem vai ganhar a eleição, se é a Kamala Harris ou o Donald Trump, o mais importante vai ser a composição do Congresso para ver se o eleito terá governabilidade ou não. Do ponto de vista prático, para a economia os dois têm impactos fiscais muito semelhantes. A gente sabe que a Kamala Harris vai ter uma tendência a gastar mais e o Trump vai ter uma tendência a reduzir impostos. Então, os dois são ruins pelo lado fiscal, embora por canais diferentes. Por isso vai ser muito importante a gente ver a composição do Congresso, da Câmara dos Deputados, do Senado, para ter uma noção mais clara da governabilidade.

Sem maioria, o cenário de pouso suave pode tornar-se mais incerto?
A eleição de um ou de outro, sem um mínimo de maioria em pelo menos uma das casas, pode criar a incapacidade de tocar suas agendas e aumenta as incertezas. Principalmente se de fato se confirmar o movimento de redução de juros pelo Fed na reunião de setembro, que é o que a gente acha que vai acontecer.

Além disso o mundo vive duas guerras na Europa, cujos impactos econômicos ainda não são totalmente dimensionados…
Sim, a gente coloca isso na categoria dos fatores não técnicos, que são fatores de risco que podem se materializar: um recrudescimento do conflito no Oriente Médio e uma escalada do conflito na Ucrânia. Ninguém comenta, mas é algo que em algum instante pode descarrilar. São fatores geopolíticos de difícil previsão.

O que surpreende nesse cenário é a bolsa, não só no Brasil mas também nos Estados Unidos, estar nessa trajetória de alta. Qual sua análise?
Esse movimento reflete a maior probabilidade de redução de juros nos Estados Unidos. O investidor estrangeiro está vendo que aquele patamar de taxa de Fed Funds acima de 5%, com inflação convergindo para a meta, não vai se manter e tende a cair para algo mais próximo da média histórica. A nossa projeção é que as taxas do Fed Fund caminhem para próximo de 3% a 3,5% daqui para o ano que vem. Nesse patamar de juros menos atraente lá fora, o investidor estrangeiro, que foi quem puxou a alta da bolsa brasileira e dos emergentes recentemente, começa a procurar ativos de risco para reforçar a sua carteira, diversificar mais.

Mesmo com incerteza global?
Esses dois fatores de risco geopolíticos que você mencionou podem realmente dar sustos, solavancos e, inclusive, ameaçar o processo de queda de juros por parte dos Estados Unidos. Mas não é a maior probabilidade.

E qual sua análise em relação ao cenário local?
Tivemos várias frustrações em relação às projeções, algumas delas positivas e outras nem tanto. A positiva é que o crescimento tem vindo acima do esperado. A gente tem revisado recorrentemente o crescimento do PIB para cima. Nossa projeção do PIB para esse ano é de 2,1%, mas com viés de subir para 2,4%, 2,5%. Em contrapartida, isso tem dificultado a queda da inflação, tanto para esse ano quanto para o ano que vem. Nós começamos o ano esperando uma inflação bem comportada e juros em queda, mas passamos da metade de 2024 e a inflação está muito resistente. Tanto para esse quanto para o próximo ano as expectativas são de inflação resistente, até em alta, e, consequentemente, ninguém mais trabalha com redução de juros. Os mais otimistas trabalham com estabilidade, os mais pessimistas com necessidade de aumento de juros no Brasil.

Qual a posição do BNP, mais otimistas ou mais pessimista, e qual a projeção para a Selic?
Nossa perspectiva para a Selic é de manutenção em 10,5%, tanto para esse ano quanto para o ano que vem. No começo do ano nossa perspectiva era de redução, tanto nesse ano quanto no ano que vem, mas agora trabalhamos com a perspectiva de 10,5% para esse ano e para o ano que vem, com probabilidade não desprezível de ter que revisar isso para cima.

Porque esse viés de alta?
Porque os dados que estão saindo, seja de nível de atividade, de inflação, de orçamento fiscal, estão deixando o mercado inteiro preocupado. O irônico é que essa resistência da inflação vem da notícia positiva que a gente comentou, o PIB está crescendo mais do que se previa, o desemprego está num ponto baixo, a massa salarial tem crescido, porém isso está acontecendo sem que a economia ganhe produtividade. Ora, queda de desemprego, aumento de renda, mas sem ganhar produtividade, em algum momento vira inflação.

Sem falar na pressão cambial...
Sim, ainda tem toda a pressão do câmbio depreciado, que traz mais inflação. Sobretudo quando a gente olha preços de alimentos, todas commodities agrícolas, cotadas em moedas estrangeiras. E tem toda a incerteza com o lado fiscal, com o teto de gastos sob ameaça, o não cumprimento de resultado primário. Consequentemente, a trajetória da dívida pública, que estava começando a estabilizar, voltou a crescer. Isso tudo é compatível com juros maiores, seja para controlar a inflação ou para financiar contas públicas que estão fora do desejável.

O que vocês estão aconselhando, em termos de ativos, para os clientes?
A recomendação é muito semelhante à dos dois últimos anos. Um foco ainda muito grande em renda fixa, e particularmente no crédito privado. É claro que quando a gente fala em crédito privado, tem que ressaltar a capacidade do gestor de escolher os ativos. Nós conseguimos, no BNP, passar os últimos dois anos e meio sem pegar nenhum dos problemas de crédito, evitando Americanas, Light, Magazine Luiza.

Mas e o risco, uma vez que a situação das empresas tem piorado?
Tem muita demanda para o crédito, então empresas boas, não tão boas e até as ruins estão pagando prêmios muito semelhantes. Os spreads estão caindo. A capacidade do gestor de diferenciar isso, nesse momento em que todo mundo parece ser igual, é muito importante, porque os riscos ficam um pouco mascarados. Mas quando a gente fala de renda fixa, além do crédito privado existem os investimentos atrelados à inflação. IMA-B5, particularmente, com prazo de até cinco anos, é uma alternativa de investimento que a gente tem recomendado para os investidores para proteger contra essa ameaça inflacionária que voltou a preocupar.

E essa recente corrida do investidor para a bolsa?
Veio por conta da perspectiva de melhora dos juros americanos, mas para se sustentar tem uma série de fatores locais que precisam ter um encaminhamento melhor. No lado fiscal, principalmente.

E os multimercados, como você vê essa classe de fundos?
Eu acho que a indústria de fundos multimercado no Brasil precisa se reinventar. A gente está indo para o terceiro ano de performance ruim, num modelo de remuneração de 2% de taxa de administração com 20% de taxa de performance, sem retorno para o investidor. Quando a inflação estabilizar e os juros começarem a cair, algo que só deve acontecer na segunda metade do ano que vem ou em 2026, os multimercados terão que se reinventar, rever a sua precificação, suas estruturas. Nesse momento, simplesmente, não há demanda para o multimercado.

Os recursos têm saído dos multimercados para a renda fixa…
Sim, mesmo porque o governo mexeu nos ativos isentos, nas condições de isenção. Isso também fez com que uma parte da demanda que estava indo para os ativos isentos pudesse ser canalizada de volta para a indústria de fundos, a maior parte para a renda fixa e crédito, é verdade.

O mercado de investimentos deve ter movimentos de consolidação?
Já está acontecendo. Acho que tende a se intensificar nos próximos anos, uma boa parte da demanda tende a fluir diretamente para fundos de ações, vai pular esse canal de transição que era representado pelos multimercados, e isso tende a reforçar cada vez mais a função dos chamados investimentos alternativos, que é uma definição bastante ampla. Inclui aí os fundos de infraestrutura, os fundos imobiliários, essas categorias que até então eram acessórias e corriam às margens dos principais fluxos de investimento. Ao longo do tempo, elas tendem a ganhar representatividade conforme esse cenário de queda de juros passe a se confirmar mais para frente.

Como vocês vão se posicionar?
Nós lançamos nosso primeiro fundo imobiliário no ano passado, então a gente já está se preparando para isso, fazendo essa incursão no setor imobiliário. E estamos trabalhando no lançamento do nosso primeiro fundo ilíquido de infraestrutura. Isso deve acontecer entre outubro e novembro, a gente está na estruturação desse fundo.

Em que classe vai se enquadrar?
É um fundo de debêntures de infraestrutura voltado ao mercado institucional. A gente não pode falar muito agora porque está na fase de desenho, de registro. Ele é enquadrado na 4.994, com rating de agência internacional, prazo de 10 anos. E a gente está mirando aí um retorno entre IPCA mais 10% e IPCA mais 12%.

Que outras áreas estão no pipeline?
Vamos ampliar a área de fundos de investimentos no exterior. A gente já tem três fundos aqui no Brasil que investem fora. Agora, em outubro, vamos lançar um quarto, de renda variável e também vamos lançar um fundo de tecnologias disruptivas. É um fundo que o BNP Paribas já tem no exterior, tem mais de 2 bilhões de euros de patrimônio, está posicionado em tudo que é tecnologia disruptiva, desde inteligência artificial, carros elétricos, descarte de bateria de carros elétricos etc.

Os últimos balanços das empresas em tecnologia americana vieram abaixo do que o mercado esperava. Isso pode dificultar o lançamento?
Acho que havia um excesso de otimismo ali, então acho que essa correção que houve foi saudável. Mas não significa que os setores dessas empresas, olhando para um prazo mais longo, não seja interessante de se estar posicionado.

O investidor brasileiro tem alocado pouco em exterior nos últimos anos, principalmente os institucionais. Isso não preocupa?
Com a NTN-B pagando IPCA mais 6%, não tem incentivo mesmo, é totalmente compreensível. Mas eu estou me referindo a como a gente está preparando nossa oferta de fundos para o momento de queda de juros local. Temos de começar a fazer a mudança na matriz de produtos já, para termos histórico. O investidor institucional, particularmente, exige, no mínimo, 12 meses de performance do veículo local.

E o que mais vocês vão agregar na prateleira de produtos?
Como eu disse, já agregamos o investimento imobiliário e estamos trazendo o fundo de infraestrutura ilíquido e os fundos de investimento no exterior. Uma outra estratégia que estamos intensificando é ofertar a nossa capacidade de gestão de ativos brasileiros em todos os países onde o BNP tem posição. Por exemplo, estamos lançando no segundo semestre um fundo de renda fixa brasileira para fundos de pensão lá no Chile. É uma demanda do BNP Paribas de lá. É um fundo basicamente de renda fixa brasileira, com uma combinação entre RFM e IMA-B5, para os fundos de pensão chilenos e, obviamente, os family offices e as plataformas de investimentos chilenas. Também já temos mandados no Japão, na Coreia do Sul.

A área de investment solutions está nos planos de vocês?
Sim, inclusive já é uma área global do BNP Paribas Asset Management. Nós temos uma área em Paris e em Londres que se chama Multi Asset Solutions (MAS). Nós bebemos dessa fonte quando vamos desenhar um mandato de fundo de pensão que exija algo mais customizado, dedicado, principalmente se envolve investimento no exterior. Isso é algo que já permeia o tema de soluções, a forma como desenhamos, principalmente, fundos exclusivos para os clientes institucionais.

Mas vocês não têm essa área formalizada, têm?
Ela faz parte do nosso processo de investimento. Temos muitos concorrentes do mercado fazendo um marketing ao redor disso. Eles dizem: “agora temos uma área nova, uma área de soluções”. A gente sempre fez isso, pegar a política de investimento da fundação, entender os seus benchmarks, os seus limites de risco, o seu orçamento de risco, os mercados que ela quer e não quer operar, para, com base nisso, propor o desenho do mandato. É isso que faz uma área de solução, mas isso já faz parte do nosso trabalho no dia a dia.

Nos mandatos de fundos exclusivos?
Sim, mas para nós é a mesma coisa. Em 2023 trouxemos 18 mandatos exclusivos novos, de clientes novos, alguns que já investiam com a gente e abriram novas estratégias conosco. Esse ano aqui, até o fechamento de julho, a gente já tinha criado 17 novos mandatos. Está acelerando muito.

Quantas pessoas tem na Asset hoje?
Em torno de 60 pessoas. E estamos crescendo. A gente acabou de reforçar a equipe de crédito privado, trouxe um analista sênior do BNP Banco para a Asset. Estamos reforçando a equipe de Fund of Funds e também a de renda fixa. No lado da gestão, a gente está investindo nessas equipes que a gente vê potencial de crescimento nos próximos anos. Algo muito importante para nós é ter plano sucessório em todas as áreas. Então, a minha própria indicação como CEO da asset passou por um processo sucessório do BNP, em que eu já havia sido apontado no passado como sucessor do Luiz Sorge.