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PIB potencial é menor
Para o economista-chefe da Absolute Investimentos, o crescimento da economia acima do seu potencial está por trás da persistência da inflação

Edição 372

Tamega,Felipe(Absolute) 24dezO economista-chefe da Absolute Investimentos, Felipe Tâmega, acha que a taxa de crescimento do produto brasileiro, o PIB, está superdimensionada e isso tem gerado inflação. Segundo ele, o PIB potencial do Brasil gira em torno de 2,1%, que é o que o País conseguiria crescer sem gerar inflação. Em entrevista dada à Investidor Institucional alguns dias antes da reunião do Copom que elevou a Selic em 1 ponto percentual (pp), surpreendendo o mercado que majoritariamente esperava uma alta de 0,75 pp, Tâmega já dizia que o Banco Central estava atrasado e o ideal era definir o aumento da taxa básica em 1 pp. Veja, abaixo, os principais trechos da entrevista:

Investidor Institucional - O mercado reagiu muito mal ao pacote de corte de gastos pelo governo. Na sua opinião, eles foram insuficientes ou a comunicação do governo é que falhou?
Felipe Tâmega - Há duas partes nisso. Primeiro, com relação ao pacote apresentado, eu acredito que não foi suficiente, porque as contas de grande parte do mercado, incluindo as nossas, mostram que os cortes ficaram abaixo do necessário, que seria algo em torno de R$ 70 bilhões em dois anos. Os cortes do governo giram em torno de R$ 50 bilhões, talvez um pouco abaixo, até porque depende do que que vai ser aprovado. Para resumir, o mau humor do mercado tem a ver com isso. Mesmo se fosse R$ 70 bilhões, seria insuficiente para garantir a trajetória fiscal implícita no arcabouço, e ainda que conseguisse garantir essa trajetória não seria suficiente para estabilizar a dívida PIB no curto prazo. Então, é um embate entre o que o governo acha que é suficiente contra o que o mercado acha que é necessário.

Você falou que a questão tem duas partes. Como analisa a segunda parte, a questão da comunicação do governo?
Acho que o processo de apresentação do pacote de corte de gastos acabou sendo muito lento. Entendo o que o presidente Lula falou, sobre timing, velocidade política, que é diferente no mercado financeiro. Mas, às vezes, é necessária uma resposta rápida para estancar um sentimento de crise. E acho que faltou um pouco dessa urgência por parte do governo, de entregar algo mais rapidamente. Houve também um ruído adicional por conta do anúncio da isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, que acabou se misturando com o debate do corte de gastos. O governo mostrou que não quer sinalizar austeridade fiscal, que não vê isso como positivo, ao mesmo tempo que cortou alguma coisa quis dar algo em troca sinalizando que fazia algo para manter o crescimento. E o que desagradou o mercado é justamente que estamos crescendo acima do potencial.

O PIB do terceiro trimestre veio acima da expectativa dos economistas, sinalizando para mais de 3% no ano. Qual sua avaliação sobre isso?
Todo mundo quer crescimento elevado, não achamos isso algo ruim, mas precisa levar em conta as possibilidades. Quando falamos isso em relação à economia é pensando em relação ao PIB potencial brasileiro, que é dado pelas funções de produção, pelo que você tem de insumo domesticamente. E quais são esses insumos? Capital, tanto humano quanto monetário, em termos de investimento, e tecnologia, que é o que você emprega para transformar esses insumos em produtos, em alguma coisa que tenha valor.

Acha que os números mostram um PIB acima do potencial?
Veja, tem havido nos últimos anos um debate sobre o aumento ou não do PIB potencial brasileiro. Muita gente enxerga esses números que estão vindo mais altos e pensa que tem algo importante acontecendo, que estamos sendo surpreendidos trimestre após trimestre, então nesse caso talvez o PIB realmente seria maior. Eu não consigo ver dessa forma. Não é uma questão de ser pessimista, mas de olhar para os dados. Primeiro que a gente não teve nenhum grande ciclo de investimentos no Brasil nos últimos anos para explicar um maior capital disponível. Segundo que não tivemos adoção de nenhuma tecnologia nova, algo transformador no país, a ponto de imaginarmos que, de repente, com os mesmos insumos que a gente tinha antes vamos produzir mais e melhor. Não tem nenhuma evidência disso. E terceiro, quando a gente olha prá população, vemos que o bônus demográfico já está ficando prá trás. Quando a gente olha para frente vemos que a população vai começar a decair em breve.

Em relação ao último ponto, indica um país que está envelhecendo sem ter enriquecido. É isso?
Indica um país onde as reformas trabalhista e a previdenciária não foram bem aproveitadas. O grande impulso dessas reformas deveria ser na taxa de participação da população na economia. Na reforma previdenciária isso fica mais claro, pois as pessoas terão que trabalhar mais tempo, por causa do aumento da idade mínima, para se aposentarem. Na reforma trabalhista, a questão da flexibilidade deveria ter levado a um aumento da taxa de participação, com muitas pessoas que não conseguiam trabalhar em um modo mais rígido passando a disponibilizar seu trabalho para o mercado de forma mais flexível. Mas não foi o que aconteceu. A taxa de participação caiu em relação ao período pré-pandemia.

Porque isso ocorreu?
Por uma série de benefícios concedidos. Não vou entrar no mérito deles, mas o problema é que a concessão de benefícios sociais retira uma parte importante da população do mercado de trabalho. Então, é natural que quando olhamos para o PIB, do jeito que está crescendo, entre 3% e 4% em 2024, estejamos com inflação alta. Se tivéssemos um PIB potencial maior, estaríamos com inflação mais baixa, o crescimento viria com menos pressão inflacionária. É mais uma evidência de que o potencial brasileiro não subiu, ao contrário do que muitos acreditam.

Quais os números da Absolute em relação PIB potencial no Brasil?
Por volta de 2,1%. E acho esse número até otimista, olhando no médio prazo, por conta desses fatores que mencionei.

A alta do câmbio dos últimos meses não estaria também contribuindo para esse aumento da inflação?
Sem dúvida. A gente está, inclusive, fazendo uma revisão de inflação por conta dessa depreciação cambial. Hoje, trabalhamos com inflação em volta de 5,5% para o ano que vem, já significativamente acima do que o Boletim Focus projeta. O Focus vai continuar subindo na direção de algo próximo de 5,5%, que é o número que deve se consolidar nas próximas semanas. Não vemos motivos para o câmbio voltar tanto.

O dólar a R$ 6 será o patamar do ano que vem?
A gente não está colocando ainda toda a depreciação do câmbio até a ponta, porque acaba usando o câmbio médio do período. Quando pegamos o terceiro contra o quarto trimestre, tivemos uma depreciação da ordem de 5%, que é mais ou menos o que já incorporamos na conta. Algo equivalente a um câmbio de R$ 5,94, R$ 5,95, um pouco menor do que o que está trabalhando o mercado, que é em torno de R$ 6. Se for acima disso, vamos ter de incorporar mais depreciação ao longo do tempo.

Você acha que o Banco Central deveria estar agindo com mais rigor em relação ao câmbio?
Acho que não. A única intervenção feita recentemente foi bem pontual, muito por conta do fluxo de fim de ano. Anteciparam um pouco, mas foi específico do mercado no período. Não foi uma intervenção cambial para tirar volatilidade ou para mudar o nível do câmbio, que eu acho que teria sido um erro caso acontecesse.

Mas num momento de ebulição o Banco Central poderia entrar comprando para acalmar o mercado...
Depende. É sempre difícil fazer essa avaliação. Porque precisamos entender as causas da depreciação. Se ocorre por mudança de fundamento, o câmbio precisa se depreciar e o BC não deveria agir porque estaria apenas enxugando gelo. Ele entraria para mitigar uma situação, manteria o câmbio fora do seu novo equilíbrio, o que não é bom para o órgão. Seria inócuo, gastaria reservas à toa, que poderiam ser usadas em momentos de volatilidade indevida do câmbio. O problema é que identificar essa volatilidade indevida é muito difícil. É o que o BC chama de disfuncionalidade do mercado, quando nota uma falta de liquidez muito grande numa ponta, que gera movimentos bruscos na taxa de câmbio. Ai sim, teria algo mais claro para intervenção. Mas fora isso, tentar encontrar novos patamares de câmbio porque seus fundamentos mudaram, ai é diferente.

O mercado encontra o equilíbrio?
Sim, você quer mais é que o câmbio faça esse movimento, o câmbio é flutuante justamente para fazer esse movimento, absorver o choque, encontrar o novo equilíbrio. É o papel dele. Então, acho que o Banco Central tem sido correto nesta forma de atuação.

Estamos às vésperas da mudança de governo nos EUA, quais devem ser os impactos do novo governo norte-americano para o Brasil?
É bem complexo. Primeiro, porque não sabemos as políticas que serão adotadas. E mesmo sobre aquelas que acreditamos que acontecerão, não temos como prever a magnitude. Mas apesar disso, nós aqui na Absolute estamos traçando cenários. No caso das tarifas, temos a materialização de um cenário em que o (presidente dos EUA, Donald) Trump se mostra muito agressivo na utilização das tarifas, mas salvo em relação à China parece que ele está usando essas tarifas mais como tática de negociação do que como imposição agressiva.

Como assim “táticas de negociação”? Pode explicar?
Ele anunciou que colocará tarifas caso o México não resolva a questão da imigração ilegal, ou se o Canadá não criar barreiras para entrada de drogas nos EUA, além da China, por conta da produção de anfetaminas. Então, todos os países entraram em contato com o Trump, e ele já relatou que teve conversas ótimas, que todos estavam dispostos a realizar medidas. A impressão é de que ele está dando tempo, quer obter concessões econômicas e políticas dos países, por ter a visão de que o resto do mundo deve pagar por essa supremacia americana. O Trump constantemente exibe uma visão de que os EUA são os policiais do mundo, a principal economia do mundo, então o mundo estaria se aproveitando da força norte-americana, e ele acha que o mundo tem que pagar por isso.

E em relação à China, que você também citou?
No caso da China, acho que é um pouco diferente. Com grande parte dos países ele vai usar as tarifas para conseguir algumas concessões, mas no caso da China há uma ideia maior de que a China é uma ameaça à supremacia americana, o que faz com que ele seja ainda mais agressivo, impeça acesso de empresas chinesas a determinadas tecnologias. É algo mais estratégico. Ele também vai buscar essas concessões econômicas da China, e as tarifas vão ser parte fundamental desse jogo político, mas com a China ele vai ser mais agressivo.

E em relação às políticas domésticas?
Acho que vai adotará cortes de impostos para impulsionar as empresas americanas. Então, os Estados Unidos já vinham de uma economia pujante e devem prolongar esse ciclo. O Trump só reforça isso.

Qual a consequência disso para os outros países?
O resto do mundo deve ter mais complicações. O Trump assume em um momento em que a China atravessa um momento de relativa fraqueza, com problemas estruturais de crescimento, especialmente no setor imobiliário, então esses problemas devem se agravar com as sanções, as tarifas americanas. O mesmo pode ser dito sobre a Europa, que também vai sofrer com essa possível desaceleração adicional da China, além de ter que lidar com suas próprias tarifas vindas dos Estados Unidos. Porque os Estados Unidos não estão olhando só pra China, também estão olhando para o mercado europeu. Por exemplo, a Alemanha é um país que tem um superávit muito grande com os Estados Unidos, então os Estados Unidos vão ser bem agressivos com eles também.

E as consequências para o Brasil?
Em relação ao Brasil, estamos nos equilibrando em um meio-termo. Por um lado, temos os EUA que continuarão sua expansão, mas por outro, teremos impulsos negativos vindos de China e Europa. Então, ficamos no meio do caminho em um mundo mais complicado, com mais choques e volatilidade. Parte disso estamos vendo na desvalorização do câmbio, porque o que aconteceu na nossa desvalorização não foi apenas o fiscal.

Estamos às véspera do reunião do Fed, nos Estados Unidos, e do Copom, aqui no Brasil. Que cenários vc tem para ambas (a entrevista foi feita na semana anterior à reunião do Copom)?
Acredito que ambos estão indo na direção certa. No caso dos EUA a inflação tem se mostrado benigna, então deve ser confirmado um corte de juros de 0,25% e no ano que vem deveremos ver o Fed provavelmente cortando a taxa a cada duas reuniões. Vai ter menos espaço para cortes exatamente por conta da força da economia e da volatilidade política trazida pelo Trump. No caso do Brasil, nossas condições estão muito diferentes do resto do mundo. A taxa de juros deve subir 0,75% na próxima reunião do Copom, mas acho que o correto seria 1%.

Na sua opinião, 0,75% é pouco?
Acho que a estratégia do Banco Central até aqui não tem se mostrado correta, tanto que o resultado da política fala por si só. Temos uma inflação alta, em contexto de crescimento que se mostra muito elevado. Quando você olha o que aconteceu da última reunião para essa, com as expectativas de inflação, com o câmbio, tudo piorou. O Banco Central chegará para esse próximo encontro após aceleração de 0,5% na última reunião, e mesmo assim estará mais distante da taxa terminal implícita do que estava na reunião passada. De fato, o Banco Central está atrasado. O implícito pelo modelo hoje é algo como 14,75% de terminal, algo dito pelo próprio Banco Central.

Esse 14,75% é para quando?
Tem diversas formas de chegar lá. Ir a passos de 0,75% ou a passos de 1% não tem tanta diferença, mas se você der 1% e isso gerar expectativa de queda de inflação isso te ajuda e talvez você possa até chegar a 14,25% e parar antes. Mas se for muito devagar e ao longo do processo as pessoas não acreditarem que você vai chegar em 14,75%, gera expectativa de inflação maior, e aí você fica com projeção pior de inflação. Isso tem um custo de política monetária, porque a indexação é maior.

Qual seria o melhor caminho?
Acho que o ideal seria o Banco Central agir mais rapidamente. Se optar por ir mais devagar, e a subida da taxa não pode ser inferior a 0,75%, nesse caso será necessário sinalizar de alguma maneira que chegará em uma taxa terminal mais alta. O Banco Central não vai falar em 14,75%, óbvio, nem deveria, mas precisa de alguma maneira demonstrar comprometimento maior do que fez até aqui. Porque isso tem feito as expectativas subirem, não caírem.