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Private equity e economia real | Opinião: Alberto Camões

Mesmo antes da pandemia, investidores institucionais e family offices no Brasil já estavam com o desafio de investir em um ambiente de juros baixos. No início de 2020, os investidores brasileiros, depois de muitos anos com retornos de renda fixa altos quando comparáveis aos níveis internacionais, estavam começando um movimento de migração de renda fixa para outras categorias. A partir de março, se viram altamente impactados pelos efeitos da pandemia em ativos líquidos: queda de bolsa, incremento da percepção de risco de ativos de dívida privada, desvalorização cambial, redução dos juros etc.
Passados os primeiros meses após este impacto, nos quais havia grande incerteza sobre a extensão mundial da pandemia, começa a haver maior consenso sobre o futuro, apesar de ainda haver certo grau de incerteza. A pandemia e a recessão dela decorrente trouxeram uma perspectiva de manutenção de um cenário de juros baixos no Brasil, por um longo período. A migração de ativos de renda fixa para outros ativos, incluindo renda variável, continua e não se reverterá tão cedo, tendo em vista a grande concentração existente hoje em renda fixa na maior parte dos investidores institucionais brasileiros. Uma substancial recuperação do Ibovespa já ocorreu, como natural consequência dessa migração. E agora, nesse ambiente, abstraindo-se de alocações táticas de curto prazo, volta-se à pergunta do início do ano: como fazer uma alocação de longo prazo nesse novo ambiente, sem uma perspectiva de aumento significativo de juros reais nos próximos anos?
Se fizermos um paralelo com o que ocorreu no exterior nos últimos 12 anos, com o ambiente de juros baixos após a crise de 2008-2009, a resposta dos investidores institucionais estrangeiros foi investir cada vez mais em ativos alternativos, aqui no Brasil representados por fundos estruturados, onde se inclui os FIPs entidade de investimento (fundos de “private equity”). Pesquisa da Willis Towers Watson com fundos de pensão de 7 países que compõem 91% do total de ativos de fundos de pensão do mundo mostra que a alocação em ativos alternativos cresceu de 7% do total destes maiores mercados em 1998 para 19% em 2008 e continuou crescendo até 23% no último estudo da série em 2019. Desses 23%, 7% são representados por fundos de “private equity”.
O prêmio que se obtém em investimentos em “private equity” quando comparado ao retorno de índices de ações listadas em bolsa explica o aumento da alocação nesta classe de ativos. Segundo o benchmark da consultoria Cambridge Associates, fundos de “private equity” que investem em teses de crescimento (“growth capital”) têm um retorno da ordem de 14% a.a. ao longo de 15 a 20 anos, ou seja, um prêmio da ordem de 5% a.a. em relação ao retorno do índice de ações S&P 500. Com o histórico de muitos anos de juros muito baixos no exterior – quando não negativos – é compreensível entender por que as alocações em ativos alternativos de maneira geral, e em “private equity” em particular, têm crescido tanto nos últimos 20 anos.
Contrastando esse cenário, no Brasil um levantamento com dados do “Consolidado Estatístico” da ABRAPP mostra em 2013 que 3,0% dos ativos dos fundos de pensão (EFPCs) estavam alocados em FIPs entidade de investimento (boa parte disso não sendo uma carteira e sim investimento em ativo único), percentual que caiu ainda mais em 2019, para 1,1%, ou cerca de 6 vezes mais baixa que os 7% dos maiores mercados internacionais.
Impactos do Private Equity
Os fundos de “private equity” têm outros atrativos, pois são propagadores:
(1º) De eficiência via reorganização de empresas e setores,
(2º) De planos de crescimento e expansão – com geração de emprego e renda, e, ainda mais importante que esses dois pontos no momento atual,
(3º) Das melhores práticas em ESG (Environmental, Social and Governance), pois sua posição de investidores com participação direta nos conselhos permite promover tais práticas objetivamente, com mais influência do que outros fundos de ações.
Como investimentos em “private equity” comandam prêmios de retorno atrativos numa perspectiva de juros mais baixos no longo prazo, no Brasil os investidores institucionais e family offices tendem a aumentar sua alocação nesses fundos, como ocorreu nos últimos 20 anos no exterior. E vale lembrar que esses investimentos em anos de crise tendem a ter retornos mais altos que a média, pois se beneficiam de investimentos com valorizações de entrada mais atrativa e mais oportunidades de crescimento por aquisições em processos de consolidação – o que reforça as razões para se considerar esse tipo de ativo atualmente.

Alberto Camões é sócio-diretor do Grupo Stratus

Introdução ESG na Prática | Opinião: Francisca Brasileiro

O ano de 2020 certamente deixará legados, muitos deles não positivos. Mas também será conhecido como o ano em que as questões ligadas à ESG, ou ASG (Ambiental, Social e Governança) viraram o tema central nas discussões de investimentos, aqui e no mundo!
Podemos atribuir o gatilho à carta que o presidente da BlackRock enviou aos CEOs das companhias investidas, ou então ao foco dado ao tema no Fórum Econômico Mundial, mas a verdade é que o interesse nesse assunto vem crescendo a cada ano.
Mas, não podemos negar, que a Pandemia acelerou esse processo ao nos mostrar como somos frágeis perante certos acontecimentos aleatórios. Ou melhor, como nossos portfolios são frágeis à eventos que ainda não podemos prever ou evitar.
Mas será que não podemos mesmo? Sim, ainda estou falando sobre ESG. Ou melhor, da habilidade de prever como os nossos investimentos podem ser impactados por questões intangíveis, no caso, relacionadas ao tema sustentabilidade e suas derivadas.
Integrar os aspectos de ESG significa justamente isso: Identificar e estimar os riscos inerentes aos eventos ligados às esferas Ambiental, Social e de Governança. Falar parece fácil, mas considerar os aspectos de ESG na carteira é uma arte que reside justamente em encontrar caminhos para objetivamente mensurar tais riscos. Mas, como fazer isso? Como sair do “blá blá blá” e colocar em prática esse tema?
Infelizmente, ou felizmente, não existe um roteiro a ser seguido, mas podemos resumidamente agrupar em 4 abordagens a maneira como os investidores implementaram essas práticas globalmente:
Exclusão: Essa é a forma mais antiga, e também a mais comum. Identificando países, setores ou companhias considerados como um risco elevado, cria-se uma lista de ativos “proibidos”. É comum encontrar nas Políticas de Investimentos globais vedações à empresas de setores como arma, tabaco, ou que tenham se envolvido em escândalos recentes, por exemplo.
Impacto: São investimentos que buscam agregar mudanças positivas em seus meios. Com um efeito mais indireto no resultado dos investimentos, são menos comuns no portfólio, mas ainda assim são vistos como uma forma de adicionar (ao invés de excluir) medidas positivas e consequentemente melhorar o “rating de ESG” do portfólio total.
Engajamento: Sob a ótica das companhias a participação dos investidores através do voto, ou a pressão nos conselhos por medidas “pró-ESG”, como aquelas alinhadas com as diretrizes de SDG (Sustainable Development Growth) da ONU, têm crescido significativamente.
Integração: Por último e talvez mais importante vem a abordagem que considera os riscos ligados a ESG como parte do processo de avaliação de um determinado investimento, agregando esses aspectos à avaliação tradicional. Desta maneira, ao invés de excluir uma determinada companhia, busca-se estimar quão exposta ela está a riscos como falta de água no mundo, inundações, escândalos de corrupção, risco de imagem por pressões sociais nas mídias etc.
O grande desafio reside em quantificar esses riscos. Por exemplo, é possível estimar qual o impacto do aumento da temperatura do globo no preço de uma carteira dos imóveis, endereçando corretamente a questão do aquecimento global? Segundo um estudo da Euroif, como consequência de eventos ligados a mudanças climáticas entre 2016 e 2018 foram gastos $378 bilhões de dólares, só nos EUA. Uma análise mais profunda desses dados leva a modelos de projeção capazes de estimar esses riscos, assim como fazemos com a inflação.
Para ajudar nessa missão, muita coisa tem sido desenvolvida: As companhias divulgam relatórios padrão de atendimento a esses critérios, e já temos uma atribuição de ratings ESG, que buscam consolidar as informações ligadas ao tema, criando assim um “scorecard card” complementar a avaliação das companhias.
Buscar integrar os aspectos de ESG nos investimentos é, então, uma busca pela melhora da qualidade dos ativos e do retorno, redução de riscos, e práticas que contribuam para um desenvolvimento mais sustentável do globo.
Sob a ótica das fundações, o passo mais importante é justamente criar um roteiro para verificar como os gestores estão integrando esses aspectos na montagem da carteira e escolha dos investimentos. Para aquelas fundações maiores, as políticas de engajamento e voto são a forma mais rápida para colocar em prática a teoria. E para todos os agentes de mercado, construir internamente um conjunto de diretrizes para melhorar as próprias práticas ligadas à ESG é o melhor caminho. Sempre!

Francisca Brasileiro é diretora da Tag Investimentos

Produtividade é o nome do jogo | Opinião: Solange Srour

Após o relaxamento das medidas de isolamento social e o religamento de várias economias, assistimos a uma onda de otimismo em relação ao ritmo de recuperação da atividade no mundo. Dados recentes mostram que com a volta da mobilidade nos mais diversos países, o consumo foi retomado com força, assim como a confiança dos empresários.
O argumento de que o colapso econômico é em grande parte devido ao vírus ganhou força. Sendo assim, na ausência de uma segunda onda muito grave, o consenso é de que as economias voltarão a operar no mesmo ritmo e padrão que antes do Covid19. Esta visão, no entanto, deixa de lado mudanças estruturais decorrentes da crise. Pesquisas disponíveis sugerem que as pessoas devem, de alguma forma, ter novos hábitos de consumo, poupança, lazer e que os modelos de produção serão outros. Os impactos dessas transformações no mercado de trabalho serão enormes e podem impedir a volta rápida dos empregos, da renda e do PIB.
Do lado da oferta, o trabalho remoto, por exemplo, tem se mostrado uma forma menos custosa e mais produtiva de organização, estimulando um enorme aumento de investimentos em equipamentos e plataformas digitais. A legislação que inibia alguns serviços de avançar, como o caso da telemedicina, teve que ser modernizada. Do lado da demanda, a pandemia forçou consumidores a testar novas formas de consumir, como a atividade de compras online, a qual agora é valorizada por sua conveniência e segurança. Alguns serviços, como viagens ou eventos de negócios, serão drasticamente reduzidos depois que reuniões virtuais se tornaram uma alternativa mais fácil e barata.
Como reflexo, empresas como Amazon, Microsoft, Apple, Tesla, Facebook, PayPal, Netflix, Shopify, Zoom passaram por uma valorização expressiva. De outro lado, várias companhias aéreas, hotéis e lojas de departamentos estão entrando em recuperação judicial, reestruturando e reduzindo suas operações de forma permanente.
Historicamente, as respostas do mercado de trabalho a choques são lentas. Fatores idiossincráticos, como as habilidades específicas do trabalhador, impedem sua transferência rápida entre setores e regiões. Por essa razão, um país que carece de mão-de-obra qualificada, como o nosso, não terá uma recuperação econômica rápida, mesmo que a pandemia seja controlada dentro de alguns meses.
Políticas públicas são fundamentais para a velocidade da recuperação. A magnitude e a rapidez da paralisação da economia foram sem precedentes e justificaram, em vários países, programas de sustentação da renda, subsídios à retenção de funcionários e a expansão do crédito bancada pelos governos às empresas mais afetadas.
Nos pós-Covid, deveremos assistir a uma substituição de políticas excepcionais por políticas sustentáveis nos médio e longo prazos. Países como o Brasil, que não dispõem de espaço fiscal, terão que ajustar o crescimento do gasto público e ao mesmo tempo lidar com um enorme contingente de desempregados. A agenda para uma recuperação menos traumática passa por uma série de reformas estruturais que possam gerar um aumento da produtividade do trabalho e facilitar a realocação da mão-de-obra.
Em primeiro lugar, para incentivar o investimento privado e aumentar o investimento público, teremos que fazer uma ampla revisão do gasto público. Sua composição é altamente prejudicial ao crescimento, com 80% das despesas sendo destinado à Previdência e ao funcionalismo. Não teremos como deixar de fazer a reforma da Previdência nos Estados e municípios e o avançar com a reforma administrativa.
Precisamos urgentemente de uma ampla revisão nas regras e procedimentos para aprovação de projetos, uma legislação que incorpore as contrapartidas de impactos ao meio ambiente e um arcabouço institucional que diminua a enorme insegurança jurídica presente.
Para facilitar a realocação da mão-de-obra, teremos que aprofundar a reforma trabalhista, iniciada no governo Temer. A tão debatida reforma tributária, ao simplificar o dia-a-dia das empresas e diminuir seu enorme contencioso tributário, deveria sair do campo das ideias e ser posta em votação no Congresso.
A discussão atual infelizmente está focada na expansão dos programas sociais bancada por um aumento da carga tributária. Sem dúvidas, reduzir a desigualdade social é um desejo louvável. No entanto, precisamos ir além. Esta crise nos traz novos desafios e o principal deles é como tornar nossos trabalhadores mais produtivos e aumentar o potencial de crescimento da economia, sem os quais não há recuperação cíclica rápida nem sustentável.

Solange Srour é Economista-chefe da Arx Investimentos 

Atuar mais nas empresas investidas | Opinião: Fábio Coelho

Em meio à pandemia do coronavírus e à incerteza derivada, é fácil relegar questões primordiais das quais depende a higidez do mercado, como a excelência da gestão, a criação de valor a longo prazo e questões ambientais, sociais e de governança. No entanto, momentos como o atual favorecem iniciativas que alteram o status quo.
Foi assim que, na crise de 2008, nasceram conceito e códigos de stewardship, cujo propósito foi prevenir eventos ruinosos para a economia real mediante o engajamento em bases constantes e de maneira construtiva entre investidores e companhias investidas na perseguição de práticas de governança, estratégias de longo prazo e desempenho financeiro.
Ocorre que a aplicação desses conceitos, princípios e regras exigem players determinados a dar-lhes materialidade e efetividade. Cabe aos acionistas o monitoramento ativo e, quando necessário, a intervenção nas empresas investidas visando seu desempenho a par de sua sustentabilidade. Como detentores dos recursos que mantêm as diferentes classes de ativos, os institucionais são agentes talhados para a missão de assegurar gestão diligente e transparente.
Os fundos de pensão despontam como, possivelmente, os que estão mais bem equipados para assumir papel central na defesa da sustentabilidade de empresas e mercados. Já existem bons exemplos de fundações que se conscientizam cada vez mais da necessidade de participar e votar em assembleias de acionistas e de indicar representantes para os conselhos de administração das investidas, mas outros passos precisam ser dados nessa direção.
As fundações poderiam mais facilmente exigir a adoção de melhores práticas de governança e incentivar alinhamento de interesses na criação de valor para os acionistas. Um exemplo exitoso foi o engajamento realizado por dois dos maiores fundos de pensão na empresa BRF, na qual buscaram atuação para indicação de conselheiros e aperfeiçoamento da gestão em momento delicado de conflitos, que comprometiam não só o valor de mercado mas também a própria longevidade operacional da empresa.
O aprofundamento das ações implica abordar e tratar outros temas de interesse social, como remuneração da administração, transações com partes relacionadas, conflitos de interesse, gestão da inovação, disclosure de informação, dentre outras ações de transparência. Mais recentemente, em função da pandemia, dois outros temas ganharam destaque: a atenção sobre como as empresas estão lidando com a pandemia e a diversidade nos conselhos (colegiados mais diversos são entendidos como mais capacitados a executar o processo decisório, o que, em última análise, robustece a criação de valor sustentada no longo prazo).
A despeito das oportunidades de aprofundamento nas atuações dessa natureza, o primeiro passo em busca da ampliação do engajamento deve se dar na discussão interna sobre quais empresas do portfólio abordar. Esse debate sobre a materialidade nas escolhas se torna difícil quando fundações apresentam carteiras diversificadas e com grande número de empresas, uma vez que é impraticável monitorar todas as companhias do portfólio. Em geral, recomenda-se escolher as mais relevantes do ponto de vista da participação na carteira ou aquelas com potencial de gerar impacto elevado para a sociedade. É o que faz, por exemplo, o BNDESPAR, que em dezembro de 2018 aprovou normativo estabelecendo critérios balizadores quantitativos e qualitativos para o comparecimento e o consequente exercício do direito de voto em empresas investidas.
Segundo relatório de stewardship de 2018 da instituição, “para as participações em empresas de capital aberto, foram considerados critérios quantitativos a materialidade do percentual de participação acionária detido pela BNDESPAR no ativo (5% do capital social) e a relevância de seu valor perante o valor total de sua carteira de participações acionárias (0,25% do valor dos ativos sob gestão) ”.
Para auxiliar as entidades a navegar esse mundo de juros baixos por tempo prolongado, o que implicará aportes maiores em participações acionárias, uma boa fonte de informação são os relatórios de stewardship divulgados pelos institucionais ao redor do mundo. No site da AMEC, por exemplo, há vários disponíveis para consulta, permitindo que sirvam de inspiração sobre como o engajamento contribui para a perenidade das empresas, e para a valorização de suas participações por meio da melhoria de performance de longo prazo. Ganham as empresas, as fundações, seus participantes e indiretamente a sociedade.

Fábio Coelho é Presidente da Amec e ex-superintendente da Previc.

Repensando a alocação em tempos de crise | Opinião: Jorge Simino

Obviedade inicial: o mundo e o Brasil enfrentam, desde janeiro deste ano, uma crise sanitária e econômica. O Brasil em adição também apresenta sinais de turbulência política.
Algumas breves palavras sobre esta última. Constatação também óbvia é a existência de muito ruído na condução política. Como os ruídos afetam os preços dos ativos financeiros depende basicamente da sensibilidade auditiva e da lateralidade de cada agente econômico. Independentemente da escolha de cada qual, uma coisa é certa: ruídos não ajudam; ruídos atrapalham.
Um ditado antigo diz “de médico e louco todo mundo tem um pouco”. Pois bem, nos últimos meses o lado médico, agora com especialização em epidemiologia, assolou as áreas de análise econômica. Gráficos, tabelas e modelos estatísticos povoam os relatórios numa tentativa, legitima, diga-se de passagem, de antecipar algum sinal de declínio da pandemia. Mas a verdade é que a ciência apesar de todos os esforços, e neste curto espaço de tempo, ainda não conseguiu desenvolver um fármaco eficiente e muito menos uma vacina. Neste sentido é preciso absorver a ideia que as incertezas provocadas pela pandemia tão cedo não serão dissipadas.
Assim sendo, devemos concentrar nossos esforços para entender a evolução da crise em termos econômicos e financeiros.
Duas especificidades podem ser atribuídas a esta crise. Primeira, pela natureza sanitária, e pela inexistência de um tratamento eficaz a adoção da técnica do isolamento social para restringir a propagação atingiu a oferta e a demanda simultaneamente. Segunda, é a velocidade com que tanto a doença quantos seus efeitos se espalharam.
Tempos excepcionais, medidas excepcionais. Nos países desenvolvidos em geral, e particularmente nos Estados Unidos, a magnitude dos estímulos fiscais e monetários superaram tudo o que já foi visto no passado, inclusive na crise financeira de 2008. Do lado fiscal, o governo americano aprovou no Congresso um pacote de 2 trilhões de dólares para socorrer pessoas físicas e jurídicas. Do lado monetário, o FED (banco central americano) cortou os juros básicos para praticamente zero em duas reuniões extraordinárias em março e usou seu balanço para comprar ativos no mercado (os ativos do seu balanço montavam a 3,8 trilhões de dólares, no final de 2019, voltaram a crescer nos últimos três meses e atingiram a cifra de 7,2 trilhões de dólares). Em resumo, a injeção de liquidez na economia foi gigantesca.
No Brasil tivemos movimentos análogos, com alguma hesitação inicial, dado o conjunto de nossas limitações. Também tivemos redução de juros e pacotes de ajuda fiscal, seja para pessoas físicas seja para empresas.
Lá e cá a dúvida central está na velocidade e na magnitude da recuperação econômica e no típico jargão do mercado as possíveis recuperações recebem apelidos usando letras: V, U W e por aí vai.
Para além das letras, creio que seja mais razoável perguntar como as famílias, as empresas e o próprio governo (nos três níveis – federal, estadual e municipal) se comportarão dado que todos sairão da crise mais endividados, com remuneração menor (leia-se rendimentos, receitas operacionais e tributos, respectivamente)? E dada a capacidade ociosa, que já existia antes da crise, e que certamente se ampliou com seus efeitos, a variável investimento também não deveria despertar muito entusiasmo. Tudo posto fica difícil imaginar uma recuperação mais robusta em 2021.
A questão fiscal é outro ponto que me parece claramente subestimado. As projeções de déficit primário para este ano giram ao redor de 10% do PIB. Mas para 2021 as expectativas giram ao redor de 3% do PIB, um ajuste de sete pontos percentuais do PIB. E sem aumento de tributos!
Enfim, um ajuste de contas públicas em magnitude nunca vista nos últimos vinte anos. Temos aqui um sinal claro de muito otimismo (e não custa lembrar as palavras de Candido – personagem de Voltaire: “o otimismo é a fúria de sustentar que tudo está bem quando se está mal”).
Para os investidores em geral, e para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar em particular, os desafios de investimento aumentaram muito. De um lado, o custo de oportunidade nunca foi tão baixo, mas por outro lado as incertezas associadas a alocação em ativos de maior risco são também imensas.
Conclusão: o cenário DP (Depois da Pandemia) é completamente diferente do cenário AP (Antes da Pandemia) e, assim sendo, a gestão do portfólio também há de ser diferente. O processo de alocação em ativos de maior risco continuará sendo necessário, mas precisará ser repensado com cuidado.

Jorge Simino é diretor de investimentos da Fundação Cesp - Funcesp

A reeducação do mercado | Opinião: Carolina da Costa e Luiz Fernando Figueiredo

Na Teoria Econômica, há uma máxima que dita que o comportamento dos agentes econômicos é função dos incentivos oferecidos. São, portanto, reações. No âmbito do mercado financeiro, seleção e alocação de ativos são perfeitas expressões da lógica reativa. Mercado é consequência. Causa “mercado” a política econômica, que propõe incentivos (nem sempre produzindo o que intencionou), novos fatores de produção, assim como mudanças profundas em hábitos e valores morais dos agentes econômicos. Se pretendemos inovar estruturalmente naquilo que fazemos, questionar a lógica de causalidade pela qual explicamos efeitos é um bom ponto de partida. Na ciência, essa rotina tem sido responsável pelo surgimento de diversas teorias que ora conflitam, ora se complementam, mas sempre expandem conhecimento. Por exemplo, na biologia para explicar adaptação das espécies, no desenvolvimento humano para explicar fenótipos, na física para explicar movimentos planetários e por aí vai. E no âmbito do mercado financeiro, há espaço para mais protagonismo que cause transformação?
A crise que vivemos trará enormes consequências sociais. Estima-se que até o final desse ano, haverá cerca de 15 milhões de desempregados, 4,4 milhões de crianças abaixo da linha da pobreza, dívida pública brasileira acima de 90%, 6% de queda no PIB nacional. Todas as esferas da sociedade perderão renda, exceto a máquina pública cujo peso do gasto com funcionalismo se amplificará desproporcionalmente aos demais setores. Uma adequada política fiscal será fundamental para direcionar corretamente o comportamento dos agentes e gerar mais proporcionalidade e equilíbrio no balanço de perdas. O mercado financeiro também deverá contribuir com a sua cota de sacrifício. Não simplesmente por arcar com a diminuição dos ativos sob gestão (R$74bi saíram de fundos desde o início desse ano), mas também pela necessidade de repensar sua forma de atuar para co-liderar mais ativamente um processo de transformação já em curso.
A consciência dos impactos da crise intensificou entre os gestores de ativos e alocadores o discurso sobre longo prazo e impactos sociais e ambientais dos investimentos. Boa notícia vermos a sigla ASG (Ambiental, Social e Governança ou, em inglês, ESG) cada vez mais presente nas pautas. Estudos mostram que o volume de ativos sob gestão no mundo em finanças sustentáveis ultrapassa U$ 31 trilhões (dados GSIA). O S&P 500 ESG index mostrou retornos 3% acima quando comparado ao benchmark S&P 500 (2019/2020) e 6 em 10 fundos ASG tiveram retornos superiores aos convencionais na última década (FT, 13/6/20). A somatória de ativos em fundos de impacto relacionados com algum dos 17 ODSs (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) ultrapassa U$ 500 bilhões (segundo GIIN). Tudo isso impulsionado por mudanças regulatórias recentes que contribuem para reprecificar riscos, incentivar novos projetos ambientais (ex. na linha de redução de emissões de carbono) e crédito “verde”. Novas abordagens de rating passam também a incluir aspectos sociais e ambientais (exemplo da MorningStar que comprou a Sustainalytics). É bastante motivador notar a qualidade de porta-vozes de diferentes indústrias defendendo mudanças estruturais para um novo capitalismo. Destaque para grupos de estudo atuando nesse momento na ANBIMA, ABVCAP, além de importante advocacy puxado pela Converge Capital e CEBDS. O recém lançado Capital Reset é agora leitura essencial sobre o tema.
Mas ainda há um longo caminho para verificarmos até que ponto discursos se tornarão prática efetiva. Acreditamos que estamos diante de uma grande oportunidade de reeducar o mercado financeiro para uma atuação mais protagonista, para além da seleção e alocação de ativos. Não é mais suficiente investir em um ativo pela “barganha” de hoje, pois um pouco mais à frente, quando os preços se equilibrarem, o real valor se dará com base em novo paradigma de valuation que abarque amplo impacto para sociedade. Podemos criar novos negócios baseados em ecossistemas que promovam relações mais simbióticas entre investidores e investidos (muitos ainda aguardando oportunidades decentes de acesso ao capital). Podemos abrir espaço para profissionais advindos de outros setores com formatos inovadores de interação em rede para a construção conjunta de soluções. Podemos promover novos mindsets sobre o que significa “ganhar, perder e servir”.
Estamos diante de uma oportunidade histórica de reinvenção que se dará para aqueles que aceitarem o desafio da reeducação para maior protagonismo social. Esse movimento não é apenas para o benefício de nossos negócios, mas para o legado que intencionamos deixar para as futuras gerações e para o planeta.

Carolina da Costa é sócia da Mauá Capital e professora do Insper e Luiz Fernando Figueiredo é CEO da Mauá Capital e ex-diretor do BC

Perfis de investimento em tempos de crise | Opinião: Ricardo Pena

A pandemia da Covid-19 pegou o mundo de surpresa e tem causado estragos incomensuráveis. Nessa crise de saúde pública, a preservação da vida humana é o ponto de partida para qualquer ação e preocupação elementar esperada daqueles que têm a responsabilidade para decidir. A crise é um momento de reflexão e de humildade. Todos teremos que lidar com as consequências das decisões tomadas. A primeira e mais importante decorrerá da resposta à pergunta: “Fomos solidários e responsáveis?”. Gestores do patrimônio financeiro de milhares de pessoas, como nós, terão mais perguntas a enfrentar: “Agimos com transparência? Atuamos com eficiência e prontidão? Protegemos nossos participantes, assistidos e funcionários?”
Todos os planejamentos estratégicos de curto, médio e longo prazo foram afetados decisivamente pelas incertezas. Inegavelmente o cenário exigiu um realinhamento de diretrizes, metas e indicadores. Além disso, muita flexibilidade foi necessária para qualquer gestão estabelecer um patamar mínimo de segurança nas suas operações.
No caso da Funpresp, essa profunda mudança coincidiu com a implementação da oferta por perfis de investimentos para seus participantes, fruto de mais de quatro anos de estudos. Tudo foi planejado detalhadamente para entregar ao participante o protagonismo sobre as suas preferências e expectativas quanto à evolução das suas reservas previdenciárias e de seu benefício futuro.
O produto elaborado pela Fundação permite que participantes de um mesmo plano de benefícios tenham sua poupança individual tratada de maneira customizada, conforme suas características pessoais. O parâmetro utilizado foi o de ciclo de vida, que combina faixas etárias pré-definidas (em função do estágio de vida) com tipos de investimentos adequados a maior ou menor tolerância a riscos. São quatro perfis oferecidos em duas carteiras distintas, batizadas com os nomes “Performance” e “Preservação”. Os próprios nomes deixam antever a natureza de cada uma delas e como o ciclo de vida se encaixa perfeitamente nas alocações predominantes nessas carteiras. Para cada uma delas, diretrizes de investimento claras e longamente refletidas foram estabelecidas. Esse modelo tem se mostrado robusto no enfrentamento da crise, trazendo perspectivas de recuperação no médio e longo prazo.
Reforçamos a comunicação com o participante de forma a prover informação objetiva, transparente e orientação em suas decisões de investimento. Nesse momento, a Funpresp busca garantir aos seus participantes todo o apoio para decisões racionais, que não resultem, à frente, em prejuízos ao esforço de longo prazo que os planos de previdência envolvem. Mais do que nunca, é preciso reforçar os laços de confiança e cuidado.
Aprofundamos análises de cenários de forma a garantir o aproveitamento de oportunidades. Já em abril, observamos recuperação das perdas registradas em março, em especial nos perfis com maior presença de ativos de renda variável. Nossa expectativa é ao final deste ano estarmos alinhados ao planejamento de 2020.
A Fundação diversificou a distribuição dos ativos financeiros da sua carteira de investimentos, reduzindo os títulos públicos federais de curto prazo para aumentar os de longo prazo, com taxas de juros reais superiores a 4%a.a. A Funpresp também adquiriu cotas de fundos de investimento no exterior, reduzindo o risco da carteira, e cotas de fundos de investimentos em ações (com Ibovespa abaixo de 70 mil pontos).
Apesar de ser uma Entidade jovem, a Funpresp já é considerada robusta: conta com mais de 96 mil participantes e R$ 2,65 bilhões de patrimônio. Está ainda na fase exclusiva de captação de reservas uma vez que tem uma população jovem, (idade média de 36 anos) e paga pouco mais de 100 benefícios. Independentemente disso, o cenário atual de muita oscilação dos mercados, devemos seguir atentos e cautelosos na gestão dos riscos. Ainda mantemos a estratégia conservadora, de preservação de valor, com 93% do portfólio em títulos públicos federais, que vem norteando a política de investimentos da Entidade desde a sua criação. Mas sem deixar de operar no monitoramento constante dos mercados, observando as oportunidades do momento e as diretrizes estabelecidas pelas políticas de investimentos dos planos que administramos.
Nossa atitude tem sido de análise sistemática pois sabemos que ainda não é possível mensurar todas as consequências da pandemia no cenário econômico, nem como se comportará a retomada do mercado. Todos estão ainda sujeitos a variações negativas, mas estamos dispostos a não desviar o nosso foco e planejamento que são os ganhos de longo prazo.
Esse é o recado que passamos diariamente aos nossos participantes. Estamos exercitando a transparência ativa como forma de passar tranquilidade sobre o que a Funpresp está fazendo e como vem se comportando perante as adversidades. Como uma fundação de previdência que tem uma relação de longo prazo com seus participantes, entendemos que esse é o momento de reforçar os laços de confiança que nos unem. E isso tem sido realizado com uma comunicação clara, autêntica e verdadeira, pois sabemos que só com essa união e solidariedade iremos ultrapassar todas as dificuldades que hoje se apresentam.

Ricardo Pena é presidente da Funpresp

As escolhas no mundo pós Covid-19 | Opinião: Eliane Lustosa

Nesses tempos líquidos, como diz Bauman (Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polonês), no qual nada é estável, tudo flui, conceitos como solidariedade e coletividade são substituídos por individualismo e consumismo. No mundo atual, muitas vezes denominado de VUCA (ou VICA, na sigla em português para Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo), vemos muito desencanto, perplexidade, medo e até desespero - agora aguçados pela crise mundial de saúde pública. A pandemia nos levou a cenário de isolamento, desaceleração e, consequentemente, muita reflexão a respeito das profundas desigualdades sociais, que desaguaram em movimentos globais de solidariedade. Nesse contexto, investidores e consumidores conscientes e responsáveis, que consideram as consequências, ainda que marginais, de suas ações individuais no coletivo, poderiam ser o motor propulsor de novo paradigma civilizatório, migrando para o conceito de stakeholder value, ou seja, levando em conta todas as partes interessadas.
O mundo pré covid-19 já evidenciava severos desafios - mudanças climáticas, escassez de água, desigualdade crescente, fome, pobreza estrutural e guerras, dentre outras distopias. Com a crise, que atingiu ricos e pobres, afloraram reflexões ainda mais profundas sobre o agravamento do atual estado de coisas e a enorme desigualdade na sociedade contemporânea. Teremos capacidade de refletir e modificar os critérios que balizam nossas escolhas e prioridades, especialmente em relação à forma que lidamos com a saúde, o meio ambiente e a desigualdade social? Não se trata de algo tão abstrato como abraçar árvores, mas tomar decisões concretas pautadas por esses conceitos básicos. Um exemplo simples: em nossas aplicações financeiras, questionamos o grau de responsabilidade social e ambiental das empresas em que investimos, seja via equity ou dívida?
À medida em que cresce a consciência social dos indivíduos, que passam a cobrar “qualidade social” em suas aplicações financeiras, cria-se círculo virtuoso, aumentando o incentivo de gestores e investidores institucionais a exercer suas respectivas responsabilidades fiduciárias, buscando alocar seus recursos em investimentos mais inclusivos e de impacto. Dito de outra forma, ao passo em que investidores pressionam, empresas buscarão se ajustar para atrair esses recursos. Aqui observa-se importante oportunidade de políticas públicas mais inclusivas, qual seja: utilizar os chamados instrumentos de blended finance para alavancar o capital privado em prol de investimentos com forte conteúdo ASG (Ambiental, Social e Governamental, ou ESG, na sigla em inglês) via instrumentos de mercado de capitais.
Os Investidores Sociais, ao atrair atenção para determinadas ações de cunho filantrópico, podem atuar para conscientizar e alavancar iniciativas com externalidade positiva relevante para a sociedade. Nesses casos, ao ajustar a relação risco-retorno de um projeto, assumindo parcela mais do que proporcional dos riscos, pode-se atrair e alavancar capitais de mercado para viabilizar o volume de recursos necessários à sua implementação. Trata-se, portanto, de ‘jogo de soma positiva’, formado pela sinergia de interesses entre ações filantrópicas e de impacto com instituições e agentes financeiros, públicos ou privados.
No que se refere a infraestrutura, investimentos privados com forte conteúdo ESG podem ser incentivados pelos chamados investidores concessionais (como agências multilaterais e bancos de fomento) utilizando instrumentos de reforço de garantias, notadamente no período pré completion, quando os riscos do projeto são mais elevados. Após o início da operação, com a relação risco-retorno mais equilibrada, o incentivo inicial pode ser significativamente reduzido ou eliminado, permitindo, via mercado de capitais, a substituição dos recursos públicos por capital privado. Importante notar que, uma vez maduros, investimentos bem estruturados podem e devem prescindir da intervenção pública, o que se mostra especialmente relevante em contexto de forte restrição fiscal
Dentre as ferramentas de reforço de crédito utilizadas para atrair recursos privados com foco no atingimento dos ODSs, pode-se destacar seguros de performance, fundos garantidores ou, ainda, instrumentos de mercado de capitais, como cotas subordinada ou junior em estruturas de FIPs (Fundos de Investimentos em Participações), FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios) ou social impact bonds, estes ainda pouco utilizados. Crowdfunding e fundos patrimoniais (endowments), também poderiam alavancar recursos para causas sociais, especialmente se a atual mobilização de cunho solidário for duradoura.
É diante de uma grande ameaça, como a atual pandemia, que podemos quebrar paradigmas, para sairmos mais fortes, coesos e preparados para os novos desafios que o mundo pós Covid vai desvendar. Solidariedade, cooperação e coordenação de esforços por uma sociedade mais justa e inclusiva também devem fazer parte do dia a dia dos agentes de mercado. Sim, a responsabilidade é de todos nós!

Eliane Lustosa é ex-diretora de investimentos do BNDES

Desastre natural de duração indefinida | Opinião: Marcelo Toledo

O melhor paralelo a ser realizado em relação à crise atual não é com o que ficou conhecido como a Grande Recessão de 2008, mas sim com um desastre natural. Contudo, é um desastre natural com duas características muito raras: o fato de atingir simultaneamente diversos países e, mais importante, ser de duração indefinida. O alcance deste “terremoto” também não é puramente definido pelas leis da física (ou da biologia no nosso caso), uma vez que o comportamento da epidemia em um determinado país depende de forma muito relevante da resposta do sistema público de saúde. Haverá custos econômicos desse desastre natural, sendo maiores ou menores dependendo do sucesso de cada país em controlar a crise de saúde pública até que haja uma solução definitiva por meio de um tratamento eficaz ou uma vacina disponível em larga escala.
Ao final de março, as medidas adotadas em diversos países já permitiam estabelecer algum tipo de padrão: países com frequentes e rigorosas restrições à mobilidade de pessoas e fechamento de setores econômicos; países que estavam obtendo sucesso, até o momento, em conter a epidemia sem tantas restrições. A China havia atravessado a primeira forma e ingressado com sucesso no segundo padrão. Os prejuízos à atividade econômica eram diretamente proporcionais à intensidade das restrições.
O impacto econômico dos períodos de rigorosas restrições ficou claro com os dados econômicos da China durante o mês de fevereiro (retração de cerca de 20% das vendas no varejo, sendo de 90% em veículos, e de 30% da produção industrial). Com o fim das medidas mais restritivas, houve retomada relativamente rápida da atividade, mas ainda para patamar abaixo do pré-crise. Assim, observamos um padrão de recuperação rápida, mas no qual a retomada não ocorre de forma completa, com o PIB permanecendo abaixo do pré-crise possivelmente por um período prolongado. Em termos gerais, contudo, podemos considerar que quanto maior a duração do período de contração, menor será a velocidade de retomada e mais duradoura a queda da atividade para um determinado país (o caso da Itália aponta para uma recuperação prolongada e difícil).
As respostas de política monetária e política fiscal dos países têm sido bastante intensas e rápidas. Do lado dos bancos centrais, foco em medidas de estabilidade financeira (como a provisão de liquidez para o sistema bancário e o mercado de capitais) e queda de taxas de juros. O Fed liderou o movimento, com redução dos juros para zero. Do lado da política fiscal, ações para transferência temporária de renda para famílias e empresas. As “pontes” de crédito para empresas e famílias atravessarem um período temporário de queda de receitas e renda têm sido providas tanto pelos bancos centrais (programas de provisão direta ou indireta de crédito) quanto pelas autoridades fiscais (postergação de impostos e antecipação de benefícios).
Nesse contexto, a elaboração de cenários permite construir três possibilidades mais relevantes para os países: (1) uma rápida contenção da crise de saúde com medidas pouco restritivas (caso da Coreia); (2) um período de rigorosas restrições à mobilidade, seguido por uma política mais branda (como na China); (3) períodos de rigorosas restrições sendo intercalados pelo afrouxamento das restrições em ciclos até o fim da epidemia.
Devemos reconhecer que o momento é de substancial e atípica incerteza, tendo em vista a natureza da crise atual. Contudo, é preciso construir cenários que possam servir de referência. Considero, para o caso do Brasil, a segunda e a terceira possiblidades como pontos de referência adequados. Ao mesmo tempo isto reconhece a dificuldade de conter processos velozes de disseminação e também a dificuldade em termos sociais de períodos intensos e muito prolongados de restrições à mobilidade.
Do ponto de vista das reações da política econômica, o cenário contempla continuidade da queda de juros (para a faixa dos 3%), medidas adicionais de provisão de liquidez e políticas fiscais temporárias com impacto da ordem de 4% do PIB. Dessa forma, a política econômica está provendo suporte para que a economia possa atravessar o desastre natural. Será importante que as medidas fiscais tenham efeitos apenas temporários e, frente ao aumento da dívida pública em decorrência dos estímulos, que haja medidas de médio prazo para trazer a política fiscal de volta ao equilíbrio em 2021.
A retração do PIB precisa ocorrer da forma mais organizada possível. A intensidade dessa contração e a recuperação posterior dependerão essencialmente da duração da crise de saúde, que por sua vez está relacionada ao sucesso do sistema de saúde. A epidemia terá um final, mas cabe à sociedade encontrar o mais breve possível uma maneira que se possa controlar o desastre natural até uma solução definitiva.

Marcelo Toledo é superintendente da Bram

É hora de repensar investimentos | Opinião: Edivar Queiroz e Marcos Fava Neves

Quando o assunto é investimentos, 2020 pode ficar marcado como um novo divisor de águas. Diferentemente das crises de 2001, 2008 e até 2014, o ano começou com uma crise de saúde pública mundial sem precedentes. O temor e a rápida expansão do novo coronavírus (COVID-19) afetou o dia a dia de milhares de pessoas, impactando os mais diferentes setores da economia e, obviamente, o sistema financeiro.
Apesar das iniciativas dos Bancos Centrais, com a redução das taxas de juros e injeção de capital nos sistemas produtivo e financeiro, os mercados desabaram, os juros futuros subiram e a busca por dólar acelerou, levando as cotações para novos recordes.
Trazendo o cenário de pânico e caos para o mundo dos investimentos, vemos a maioria das carteiras de fundos de investimentos, incluindo os chamados renda fixa, com rentabilidade negativa. Em alguns casos, dependendo da alavancagem, as perdas são muito maiores do que a própria desvalorização do Ibovespa.
Todo este contexto mostra uma nova realidade, principalmente, para gestores de grandes volumes, como os institucionais e fundos de pensão. Se já estava difícil atingir o retorno desejado com os juros nos níveis mais baixos da história, agora, com o mercado financeiro em crise, a situação torna-se ainda mais crítica. E como resolver a situação? A resposta está no setor produtivo.
O patrimônio dos fundos de pensão brasileiros soma cerca de R$ 1 trilhão. Direcionar parte destes recursos para empresas privadas, com incentivo à pesquisa e inovação, pode ser a saída para a dificuldade de rentabilidade dos fundos e o acesso a capital para as empresas. E boas oportunidades de investimento em inovação no Brasil não faltam.
Para escolher um dos setores, é só olhar para a formação do nosso PIB. Se tiver de escolher apenas um, destacaria o agronegócio. Este, sem dúvida, continua - e continuará - sendo uma oportunidade fantástica para quem quer investir em um segmento no qual somos referência global.
Muito mais que simplesmente “um país com vocação agrícola”, o Brasil é um país com “competência agrícola”. Não somos considerados o “celeiro do mundo” porque temos “vocação”, mas sim por conta dos esforços contínuos de diferentes agentes das cadeias produtivas. Na contramão de muitos setores da economia, nas últimas décadas, o agro se mostrou uma verdadeira máquina de criação de riqueza à sociedade brasileira.
Se considerarmos apenas as exportações, o agronegócio foi o grande responsável pela entrada de dólares no País, favorecendo o preço do câmbio e permitindo a importação de outros bens, principalmente durante os booms de comercialização de commodities. Temos mais de 400 produtos provenientes do agronegócio em exportação. Além de muitos grãos e das carnes, o Brasil ainda sobe no pódio dos maiores produtores e exportadores de outros produtos como açúcar, algodão em pluma, papel e celulose, café e suco de laranja. Há também inúmeras oportunidades de agregação de valor em muitos destes produtos.
De modo geral, podemos destacar quatro megatendências que já começaram a mudar a agricultura. A primeira é a da Economia Digital e Tecnologia. Com a utilização de drones, máquinas e sensores, o conceito de hectare está sendo substituído pelo metro quadrado, trazendo resultados mais eficientes às propriedades.
A segunda é a Inovação e Diferenciação. Produtos orgânicos, vegetarianos, veganos, supremos são alguns exemplos que começam a ocupar as prateleiras das redes varejistas. Dessa forma, se faz necessário a revisão da proposta de valor e criação de diferenciais competitivos condizentes com o ambiente atual.
A terceira consiste na Economia Circular, a ideia de integração de atividades, de modo que o subproduto ou resíduo de uma atividade se torne o insumo de outra, aproveitando materiais e reduzindo impactos ambientais.
A última tendência diz respeito à Economia Coletiva e Compartilhamento. Nos próximos anos, os agricultores não terão mais a necessidade de possuir inúmeros equipamentos, nem tantos ativos e máquinas, porque tudo poderá ser compartilhado, dentro do modelo Uber, por exemplo.
Além disso, os desafios mundiais daqui para frente são enormes, com as mudanças no ambiente socioeconômico mundial, aumento populacional, aumento na expectativa de vida, urbanização e novos padrões de consumo etc.
Ou seja, se precisamos repensar os investimentos e redirecionar os recursos com foco em retorno no médio e longo prazos, migrar para o setor produtivo, especialmente para o agronegócio, pode ser uma excelente alternativa para diversificação do portfólio. O agronegócio brasileiro precisa estar preparado para, não apenas continuar sendo o protagonista da nossa economia, como também para assumir o protagonismo alimentar de 10 bilhões de pessoas em 2050.

Edivar Queiroz é CEO da LUZ Soluções Financeiras e Marcos Fava Neves é Sócio da Markestrat Consulting Group