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O apoio do BNDES ao mercado de capitais | Carlos Kawall Leal Ferreira

Edição 163

A exuberância dos fundamentos macroeconômicos brasileiros – combinando equilíbrio fiscal, superávit em transações correntes e inflação em queda – tem permitido deslocar o debate econômico para as condições que poderão garantir um ciclo de crescimento econômico sustentado nos próximos anos. O financiamento do desenvolvimento é um dos pontos-chave deste debate, visando especialmente à superação dos constrangimentos impostos pela infra-estrutura (logística e energia, em particular). Mas é também essencial viabilizar o acesso das pequenas e médias empresas ao crédito e capitalização, em um ambiente de competição internacional cada vez mais acirrada.
Não obstante contar com um orçamento de investimentos expressivo, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o sistema bancário não poderão dar conta dos desafios colocados pelo financiamento deste novo ciclo de crescimento. Como mostra a experiência internacional, uma parcela expressiva do desenvolvimento financeiro estará a cargo dos investidores institucionais, que deverão crescentemente alocar recursos junto a títulos privados de renda fixa e variável, dadas as perspectivas de estabilização ou queda da relação dívida pública/PIB [Produto Interno Bruto] nos próximos anos, em um cenário de queda da taxa real de juros.
Desta forma, o desenvolvimento do mercado de capitais é alavanca indispensável para que a economia brasileira possa galgar taxas de crescimento mais elevadas nos próximos anos, sendo por outro lado condição necessária para que as empresas brasileiras possam se capitalizar em um contexto de melhora da governança corporativa, de modo a que tenham condições financeiras e gerenciais para competir em escala global. Felizmente, muito se avançou nos últimos anos no aperfeiçoamento normativo ligado ao mercado de capitais, como tem mostrado o grande crescimento de ofertas públicas de ações nos últimos meses, muitas no âmbito do Novo Mercado.
Consciente do papel crítico do mercado de capitais, a diretoria do BNDES recriou, em abril último, a Área de Mercado de Capitais, novamente reunindo técnicos de notório conhecimento no assunto. Menos de seis meses depois, várias ações já foram desencadeadas, com outras ainda por vir. O objetivo geral por trás deste conjunto de ações é contribuir para o aprofundamento do mercado de capitais, tanto sob o ângulo do alargamento da base de investidores como do ponto de vista de estimular a capitalização e a governança corporativa das empresas.
Alargamento da base de investidores – Em ofertas públicas, o BNDES tem procurado estimular a alocação preferencial para o segmento de varejo, a exemplo da oferta de cotas do Fundo PIBB [Papéis Índice Brasil Bovespa] em curso. No caso dos investidores institucionais, a prática do bookbuilding deverá ser o padrão para garantir a maior pulverização possível das colocações públicas.
Estímulo à governança corporativa e liquidez – A governança corporativa será parâmetro fundamental nas decisões de investimento e desinvestimento em participações acionárias. Buscar-se-á, sempre que possível, contribuir para um aumento do volume de negociação no mercado secundário.
Fomento ao segmento de pequenas e médias empresas – Foi lançado um programa de investimento em fundos de venture capital e private equity, visando retomar a bem-sucedida e pioneira experiência do BNDES nesta área. Também digna de nota foi a reunião conjunta promovida com a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) para a apresentação ao mercado de empresas investidas pelo BNDES com potencial de integrarem o segmento da Bovespa Mais.
Desenvolvimento do mercado de debêntures – O BNDES estuda uma primeira emissão pública de debêntures, em movimento estratégico de buscar ampliar sua base de recursos para apoiar sobretudo o setor de infra-estrutura. Em paralelo, está analisando alternativas para estimular empresas privadas com quem opera a também lançarem mão de emissões de debêntures no mercado doméstico. Aqui também deve prevalecer a orientação de se buscar emissões pulverizadas, buscando ajudar na criação de um mercado de varejo para títulos de renda fixa corporativos.
Securitização – Também em estudos está a atuação do BNDES como patrocinador e investidor em Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). A securitização deve ser estimulada como forma de garantir um grau saudável de desintermediação bancária, contribuindo positivamente para a redução do spread do sistema bancário, além de tender a se constituir em investimento atraente para o investidor institucional.
Em conclusão, o BNDES pretende atuar sempre de forma complementar ao setor privado no intuito de contribuir para garantir uma alocação mais eficiente das poupanças privadas, em especial aquelas sobre a administração dos investidores institucionais, que guardam uma natural vocação para apoiar investimentos de longo prazo. E neste terreno, as sugestões são sempre bem-vindas.

Carlos Kawall Leal Ferreira é diretor do BNDES.

Alinhando as estratégias tributárias e de investimento | Opinião: João Santos

Edição 162

As estratégias do governo para o crescimento da economia e do mercado e para a conseqüente geração de novas oportunidades para o País deveriam considerar o peso e a forma de arrecadação de tributos impostos pelo próprio governo e serem, urgentemente, alinhadas, sob pena de que se revelem, sob o ponto de vista econômico-financeiro, de difícil execução para atingir os objetivos inicialmente previstos.
As autoridades governamentais (por meio do ministério da Fazenda e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES) e as instituições de mercado têm se movimentado a fim de discutir, criar e aprimorar instrumentos de investimento que melhor se adaptem às necessidades dos investidores e empreendedores, incluindo algumas linhas de financiamento destinadas exclusivamente ao setor.
Nesse contexto, estão sendo revisados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) os normativos que regulam as operações dos Fundos de Investimento em Participações (Instrução CVM nº 391) e dos Fundos de Investimento em Empresas Emergentes (Instruções CVM nº 209 e 415). Estes últimos contemplam em parte a Lei nº 10.973, emitida no fim de 2004, para incentivar projetos de inovação e pesquisa científica e tecnológica.
Não obstante serem movimentos de extrema importância, é preciso que estes sejam acompanhados e entendidos também pela autoridade tributária, uma vez que é ainda extremamente alto o ônus tributário incidente sobre os rendimentos auferidos por estes fundos, comparativamente àqueles dos fundos de investimento em ações de empresas negociadas em bolsas de valores (regulados pela Instrução CVM nº 409). Em ambos os casos, a alíquota de Imposto de Renda é de 15%.
A princípio pode parecer que, com alíquotas idênticas, a tributação seja isonômica. Entretanto, em uma análise mais atenta sobre a natureza e o perfil dos investimentos, verifica-se que nos primeiros os investidores comprometem seus recursos em prazos, normalmente, não inferiores a cinco anos e em empresas que tenham bons projetos/produtos, mas que necessitem de recursos para viabilizar e consolidar seus negócios – expansão do parque tecnológico/fabril, desenvolvimento de processos corporativos, gerenciais, marketing e vendas.
Já os investidores de fundos regulados pela Instrução CVM nº 409 investem em empresas consolidadas que tenham a liquidez de suas ações em bolsas de valores. É óbvio que os primeiros estão sujeitos a maior risco e liquidez reduzidíssima em comparação com o segundo grupo de investidores e, portanto, mereceriam tratamento tributário distinto e mais benéfico.
É importante que as autoridades tributárias entendam que não se trata de dar subsídios ou anistias fiscais a tais fundos, mas que é função do governo, no fomento ao País, considerar uma tributação diferenciada a estes, propiciando maior volume de recursos investidos e, por conseqüência, permitindo o crescimento de um número maior de empresas gerando mais empregos e negócios (internos e externos). Por conseguinte, aumentaria a arrecadação de tributos, proporcionando riqueza e expansão para o País, que ao final é o que interessa ao governo e à sociedade.
No caso dos instrumentos de financiamento imobiliário, setor fundamental para a geração de empregos, verifica-se, mais uma vez, a atuação das autoridades normativas e dos agentes de mercado no sentido de aprimorar e desenvolver estes instrumentos. Prova disso é a recente Instrução CVM nº 414, que aprimorou a regulamentação das empresas securitizadoras e do processo de emissão dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), bem como do processo de revisão da regulamentação dos Fundos Imobiliários, já em curso.
Mesmo assim, ainda há distorções nestes instrumentos, em relação ao tratamento tributário, que precisariam ser imediatamente endereçadas pelas autoridades tributárias. No fim de 2004 foi emitida a Lei nº 11.033/04 que, para aumentar a atratividade destes papéis, isentou os rendimentos dos CRIs adquiridos por pessoas físicas (equalizando o tratamento tributário já dispensado às Letras Hipotecárias - LH).
Entretanto, permanecem sendo tributados os eventuais ganhos que possam ser auferidos na venda dos referidos instrumentos. Por serem papéis de longo prazo, seria também adequada a isenção do ganho de capital auferido em sua alienação considerando-se um período mínimo de carência (por exemplo, 24 meses) entre a data da aquisição e de sua alienação.
Esta medida contribuiria para aumentar o volume de negociação e para melhorar a liquidez desses títulos no mercado secundário, aspectos que ainda inibem o investimento. Por outro lado, as pessoas físicas que investem em fundos de investimento imobiliário, cujo lastro são os mesmos ativos de natureza imobiliária, não foram contempladas com o mesmo tratamento tributário, uma vez que, atualmente, as receitas auferidas pelo fundo, assim como os rendimentos distribuídos aos seus quotistas, são tributadas à alíquota de 20%.

João Santos é sócio da PricewaterhouseCoopers – Brasil e especialista em fundos de investimento

A interiorização e a integração do mercado de capitais | Geraldo Soares

Edição 161

O ponto de partida de qualquer projeto de interiorização do mercado de capitais encontra-se na comunicação, que precisa ser eficiente

Vivemos um momento único no nosso mercado de capitais. Iniciativas inovadoras e arrojadas de instituições civis e reguladoras vislumbram um potencial crescimento de nosso mercado. Os vários projetos de popularização da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), as novas regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a postura atuante da Associação Nacional dos Investidores do Mercado de Capitais (Animec), o plano diretor do mercado de capitais, a criação do Instituto Nacional de Investidores (INI), dentre outras, são ações com o mesmo objetivo: tornar mais transparente e possibilitar uma maior visibilidade para toda a sociedade brasileira de nosso mercado de capitais.
Considero a expansão da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) como um dos destaques destas iniciativas. Cidades como Goiânia, Salvador, Recife, Florianópolis, Uberaba e Uberlândia estão recebendo apresentações públicas da Apimec. Atualmente, a Apimec está presente em 12 cidades diferentes do País, nas regiões Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste.
Neste ano de 2005, percorri estas cidades realizando apresentações sobre o Banco Itaú Holding Financeira, sendo que em algumas fui pela quarta vez consecutiva e em outras, pela primeira vez. A presença significativa de participantes, o seu interesse no mercado de capitais e o nível geral de informação (bastante elevado em relação às nossas expectativas) impressionaram a todos que estiveram comigo. Percebemos o grande potencial deste público. Neste contexto, utilizo este espaço para discutir uma questão que creio ser fundamental para o desenvolvimento do mercado de capitais: a sua interiorização.
Desde os bancos escolares foi nos ensinado que o Brasil é um país-continente. Era passada a falsa imagem de um bloco monolítico com uma única cultura, visão de mundo e linguagem, mas não nos foi ensinado a distinguir as diferenças de formas de vida entre as diferentes regiões. Formas de vida tão acentuadamente diferentes que, no limite, quase se poderia dizer estarmos vivendo num outro país.
É preciso estabelecer a distinção entre fatos da vida que são compreendidos uniformemente em qualquer região e entre formas de vida, que entendo como padrões específicos de comportamentos inerentes a uma determinada região. Talvez uma analogia esclareça melhor tal distinção: um criador de gado do Centro-Oeste compreende perfeitamente o fato de que tem gente ganhando e perdendo na Bolsa de Valores, já que ganhar e perder é comum em qualquer atividade humana, mas jamais entenderia como pode viver um sofisticado investidor paulistano com o delirante “sobe-e-desce” das ações.
Para sua forma de vida é um fato natural que seus bois emagreçam ou engordem, mas não faz parte de sua forma de vida ver seus bois emagrecendo e engordando dia sim, dia não. É normal, portanto, que recuse qualquer tentativa de comunicação que procure transformá-lo de potencial investidor em investidor efetivo, simplesmente porque formas de vida fazem parte da natureza humana e determinam rigidamente como as pessoas agem e reagem.
Se essa visão panorâmica da diversidade cultural do País estiver correta, o ponto de partida de qualquer projeto de interiorização do mercado de capitais encontra-se na comunicação, e esta só será eficiente se, ao interagirmos com uma comunidade diferente da nossa, adotarmos a “visão do outro”, ou seja, se encararmos suas formas de vida como sendo, no geral, a melhor e a mais verdadeira. Em outras palavras, deveremos praticar a comunicação com a linguagem usual nesse meio, e não impor nossos modos de expressão que só funcionam em áreas restritas.
De nada adiantará sobrecarregarmos o investidor do interior com definições altamente técnicas, porque, para que uma interação comunicativa seja produtiva, é preciso não apenas uma compreensão das definições, mas muito mais um acordo sobre juízos de valor. Desse modo, para que o projeto de interiorização se desenvolva e efetivamente se concretize, os profissionais de Relações com Investidores (RI) têm que moldar a linguagem aos padrões comportamentais de cada região, levando em conta suas necessidades, demandas, percepções e emoções.
Parecerá a muitos que essas considerações não se ajustam ao quadro de referências que estão acostumados a lidar, e terão justa razão. Nossa intenção é de apenas ver a questão sob novos aspectos que, talvez, possam acrescentar algo à discussão.

Geraldo Soares é vice-presidente do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI)

O ajuste do IRSM e o seu impacto nas fundações | Luiz Antonio Alves Gomes

Edição 160

Alteração no cálculo reflete em planos BD, que utilizam os parâmetros da previdência oficial para apurar valor do benefício

Após a consolidação do entendimento no STJ contrário ao INSS no caso do expurgo do índice de 39,67% pela não aplicação do Índice de Reajuste do Salário Mínimo (IRSM) de fevereiro de 1994, o governo federal propôs, por meio da Lei nº 10.999, de 15 de dezembro de 2004, acordo para recálculo da Renda Mensal Inicial (RMI) e pagamento parcelado de atrasados para todos os benefícios previdenciários concedidos no período compreendido entre março de 1994 e fevereiro de 1997.
Essa alteração no cálculo da RMI tem reflexos nos fundos de pensão que administram Planos “BD” que utilizam os parâmetros da previdência oficial para apuração do valor do benefício complementar inicial. Ou seja, possibilita ao gestor do plano ajustar a RMI das complementações concedidas mantendo o Salário-Real-de-Benefício. A questão que ora se levanta é a forma com que estes ajustes devem ser realizados.
Ante a ausência de regulamentação sobre o assunto, cada fundo de pensão passou a tratar do assunto conforme decisões internas, tomadas pelas diretorias ou Conselhos, sendo as soluções mais freqüentemente encontradas as seguintes: 1) ajustar o novo valor do benefício em folha e receber os atrasados através de desconto automático na folha de pagamento do assistido; 2) cobrar somente 50% dos atrasados e ajustar o novo valor do beneficio em folha; 3) não cobrar os atrasados, mas ajustar o novo valor do benefício em folha e; 4) ignorar completamente a necessidade de qualquer revisão.
Das soluções acima, deve-se afastar, de plano, por completamente descabida, a possibilidade do fundo de pensão ignorar a revisão do IRSM, visto que esta gera efeitos positivos e de caráter continuado no plano de benefício, não cabendo ao administrador, por mais superavitário que seja o plano de benefícios, renunciar ao acréscimo gerado pelo ajuste sob pena de ser responsabilizado civilmente na forma da atual legislação.
A solução inicialmente mais prática e, sem dúvida, mais vantajosa para o plano de aposentadoria seria ajustar imediatamente o valor das suplementações mensais e cobrar, de todos os assistidos com direito ao IRSM, os valores atrasados com desconto integral realizado na folha de pagamento.
Os defensores desta medida, acertadamente, baseiam-se na ausência de prejuízo do participante que incorreria em enriquecimento sem causa com o recebimento de atrasados que foram integralmente cobertos pelo fundo de pensão. Porém, analisando a questão unicamente por este ângulo, deixa-se de verificar diversos pontos relevantes que podem reverter, ao menos em parte, os benefícios inicialmente esperados na recuperação do crédito.
O primeiro ponto que surge se dá em relação aos assistidos que buscaram a revisão através de processos na Justiça e, conseqüentemente, terão de pagar honorários de até 30% sobre os atrasados, motivo pelo qual não podem ser compelidos pelos fundos a devolver integralmente aquilo que só obtiveram em parte. No mesmo exemplo enquadram-se os assistidos que buscaram seus direitos nos Juizados Especiais Federais, onde os processos são mais céleres, porém com recebimento limitado a 60 salários mínimos.
Destaque-se que o acordo de pagamento do IRSM deve-se exclusivamente aos muitos aposentados que ingressaram com processos judiciais buscando esta reparação judicial, não sendo legal, nem justo, impor a estes qualquer ônus decorrente da escolha pela via judicial.
O desconto feito diretamente na folha de pagamento dos assistidos pode ainda gerar um passivo judicial para a fundação, visto que os participantes podem alegar a ausência do devido processo legal, a utilização de informação privilegiada, a “irrepetibilidade de alimentos” e a impossibilidade de redução de proventos, exceto por determinação judicial.
Fica evidente que, além de ver arranhada a sua imagem institucional, o fundo de pensão que optar por realizar a retenção integral dos atrasados absorverá custos de contratação de advogados e de reveses judiciais. Além disso, realizado o desconto integral, não restará aos assistidos qualquer benefício em aderir ao acordo com o INSS, o que implicará em menor porcentual de acordos realizados, reduzindo a recuperação de créditos esperada.
Analisando por este prisma, o rateio dos atrasados, que poderia significar um benefício concedido pelo fundo a um grupo de beneficiários em detrimento dos demais, ganha nova feição: a de política de contenção de custos e justo relacionamento com os assistidos.
Concluindo, o ajuste do reflexo da correção do INSS nos benefícios gera, obrigatoriamente, o dever dos gestores dos fundos de pensão em promover ajustes nas suplementações futuras, porém, apesar dos assistidos não terem sido prejudicados à época própria, não há impedimento para que os fundos de pensão realizem acordos sobre os valores atrasados pagos pela previdência social, não apenas no caso IRSM, mas sempre que se verificar a ocorrência de benefícios previdenciários concedidos ou pagos irregularmente pelo INSS.

Luiz Antonio Alves Gomes é advogado, sócio do escritório Antonio Vieira Advogados Associados, pós-graduado em Direito Empresarial pela FGV e em Previdência Complementar pelo IDEAS/COPPE-UFRJ.

A tendência de se preocupar com controles internos | Luciano Magalhães

Edição 159

Prática virou sinônimo de sobrevivência no mercado; conhecimento não constitui mais um diferencial e sim algo que, hoje, é cobrado e testado

Ocontrole de processos e riscos está cada vez mais na moda, ou melhor, na legislação e no dia-a-dia de todos os participantes do mercado brasileiro. Uma moda que já virou sinônimo de sobrevivência tanto de produtos como das próprias instituições. Temos visto uma crescente preocupação dos órgãos reguladores e dos vários participantes do mercado em analisar, identificar e revisar controles internos e riscos, bem como em comprovar aos seus participantes, acionistas ou cotistas que tudo está sob controle.
Hoje, é impossível não se pensar em governança corporativa, em Sarbanes-Oxley e em toda evolução legal que vem ocorrendo nos segmentos controlados pela Previc, Susep, CVM e Bacen com o objetivo de se trazer uma maior segurança ao mercado brasileiro e colocá-lo em linha com as melhores práticas. Isto sem mencionar as iniciativas da Anbid e da Andima, que têm colaborado com os códigos de auto-regulação.
Vivemos em um ambiente normativo e estrutural totalmente diferente daquele que tínhamos há alguns anos, onde a prestação de serviços era mais voltada para as suas próprias necessidades, em um ambiente focado nas fronteiras de nosso País. Hoje o cenário é outro. Seja por questão de sobrevivência ou estratégia, existe uma forte cultura de terceirização de atividades e processos, gerada pela necessidade de se processar rapidamente informações.
Os conceitos de transparência, controle e delegação clara de responsabilidades com conseqüentes sanções, em caso do não cumprimento das normas, vêm transformando o mercado e trazendo muitos cabelos brancos a dirigentes, conselheiros, auditores e prestadores de serviços. Hoje é crescente o número de questionamentos e estudos antes de se assinar quaisquer documentos ou tomar decisões. Não dá mais para só fazer ou executar! Esta mudança de percepção tem levado o mercado a adotar outro tipo de análise e precificação quando o assunto é prestação de serviços.
A análise está cada vez mais voltada para os valores agregados, diferenciais, parcerias e na busca de implementação de processos que permitam uma rápida análise e identificação do que deve ser feito para corrigir ações ou tomar decisões que possam levar a prejuízos financeiros, de imagem ou quaisquer outros, que afetem ou acabem com o produto, ou com a poupança acumulada de uma vida – esteja esta poupança aplicada em ações, em fundos de investimento ou em fundos de pensão. Este cenário também faz com que o prestador de serviço para terceiros também tenha que mudar o seu lema. Não dá para somente prestar serviço, tem que agregar valor. Tem que se investir em sistemas.
Hoje o mundo inteiro gira em outra velocidade, a maioria das decisões e as correções devem ser tomadas e implementadas rapidamente. Não existe mais tempo de elaborar para depois analisar. Os dados, relatórios e informações devem chegar às mãos dos tomadores de decisão já prontos para serem analisados.
Outro ponto importante é a maturidade e o conhecimento profissional que vêm sendo exigidos de todos os participantes do mercado, inclusive dos prestadores de serviços. Conhecimento não constitui mais um diferencial, é algo que hoje é cobrado e testado. Conhecimento hoje, pela complexidade dos processos e evolução dos controles, é pré-requisito para se desempenhar quaisquer atividades com a segurança, e assegurar que estas estejam dentro dos padrões de qualidade desejados e com os seus riscos sob controle.
Vemos o mercado respirando essas necessidades, em função da Sarbanes-Oxley, as empresas e instituições estão cada vez mais identificando as atividades que, em sendo terceirizadas, podem agregar valor e reduzir focos específicos de risco. No que se refere aos fundos de pensão, a Resolução CGPC 13 é o mais recente exemplo. Sem dúvida alguma traz mais segurança, e é possível observar uma grande mobilização do setor, no âmbito de suas estruturas internas e dos seus prestadores de serviço, no sentido de se achar a melhor formatação para atendê-la.
É também uma segurança para empresas patrocinadoras de fundos de pensão, já que elas têm que considerar eventuais riscos em seus balanços. Em razão desses cenários, nota-se um aumento na procura pela contratação de atividades que agre-guem pontos de controle, como: enqua-dramentos legais e das políticas de inves-timento, centralização de critérios de precificação, controles de preços de negociação, ferramentas de controle de riscos, digitalização de documentos, moni-toramento de fatos relevantes e outros. Tudo para permitir maior agilidade na tomada de decisões e na fundamentação de respostas aos questionamentos.
Também tem sido mais valorizado a concentração dessas atividades em um só prestador de serviço, já que a padronização de informações e a velocidade na elaboração e análise são fundamentais nesse cenário complexo, mas sem dúvida alguma de maior controle e menos risco.

Luciano Magalhães é superintendente de serviços para empresas e fundações do banco Itaú

Investidores institucionais: diversificação é inevitável | Carlos Antonio Rocca

Edição 158

Existem razões para acreditar que a manutenção de algumas tendências já identificadas na economia brasileira deve demandar profunda revisão das políticas de investimento dos investidores institucionais, cuja execução oferece grandes desafios e oportunidades para seus administradores e participantes. A continuidade do crescimento dos recursos mobilizados por esses investidores e a execução das metas de redução da carga da dívida pública nos próximos anos, com a conseqüente queda da taxa de juros, implicarão significativa diversificação da carteira de investimentos dessas entidades.
De acordo com recente estudo realizado pelo Risk Office 1, o valor consolidado dos ativos de fundos de pensão, previdência aberta, fundos de investimento e companhias de seguros atingiu R$ 776,3 bilhões no final de 2004, ou 44,2% do PIB (Produto Interno Bruto), contra 24,9% em 1996. Mantida essa tendência de crescimento, esses recursos podem atingir mais de 57% do PIB em 2009. Admitindo que o PIB cresça 3,5% ao ano até 2009, o valor da carteira consolidada será de R$ 1,2 trilhão no final daquele ano (preços de dezembro de 2004), com acréscimo absoluto da ordem de 415 bilhões.
Em recente pronunciamento no Congresso, o secretário do Tesouro Nacional anunciou que a meta oficial é reduzir a relação entre dívida líquida do setor público sobre o PIB dos 51,8% observados ao término de 2004 para 40% em 2010. Admitindo que a dívida pública mobiliária se reduza com igual intensidade, ao final de 2009 seu valor será da ordem de R$ 786 bilhões.
Admitindo que no período de 2005 a 2009 esses investidores mantenham sua participação no estoque de títulos públicos, a proporção desses papéis em sua carteira cairá de 68% em 2004 para 43% em 2009, e a de outros ativos crescerá dos 32% atuais para 57%. Nesse cenário, essas instituições deverão investir cerca de R$ 431 bilhões em ativos gerados pelo setor privado no período de 2005 a 2009, ou seja, R$ 86 bilhões anuais, o que equivale a cerca de 20% da formação bruta de capital fixo projetada para esse período. Utilizando hipóteses semelhantes para os fundos de pensão, verifica-se que a proporção de ativos gerados pelo setor privado na sua carteira se elevaria dos 46,7% atuais para 66,2%.
Em contrapartida, nos últimos dois anos tem ocorrido grande avanço no ambiente regulatório do mercado de capitais, que tem ampliado consideravelmente o leque de alternativas de investimento. Com a criação de novos instrumentos financeiros, organização de mercados, maior proteção ao investidor e racionalização da tributação, o mercado de capitais oferece hoje uma extensa gama de opções de investimento, tais como os CRIs [Certificados de Recebíveis Imobiliários], FIDCs [Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios], FIPs [Fundos de Investimentos em Participações], vários títulos com base imobiliária, outros gerados no âmbito do agronegócio, além dos ativos a serem gerados pelas PPPs [Parcerias Público-Privadas]. Tudo indica que o desempenho do mercado de capitais em 2004 e no início de 2005, qualitativamente superior ao observado no passado, marca o início de um processo de crescimento de longo prazo do mercado de capitais brasileiro.
Configura-se assim uma nova realidade, em que, paralelamente à sua crescente importância na mobilização de recursos, os investidores institucionais se defrontam com profundas mudanças nos padrões e mecanismos de financiamento da economia brasileira. A redução do peso da dívida pública e a desintermediação financeira resultam no forte crescimento da participação dos instrumentos do mercado de capitais no financiamento do setor privado.
Apresentam-se assim novos desafios e oportunidades para esses investidores, cujo gerenciamento vai condicionar cada vez mais a qualidade de seu desempenho. O desafio é representado pela necessidade de conhecer em detalhe e avaliar corretamente as características de risco, retorno e liquidez das novas alternativas de investimento, algumas das quais ainda em processo de regulamentação final como é o caso das PPPs. A oportunidade é promover uma otimização de suas carteiras face aos seus objetivos de investimento, tarefa essa que será facilitada exatamente pela correta exploração das oportunidades de diversificação oferecidas pelos novos instrumentos financeiros.
1 Disponível no site www.riskoffice.com.br

Carlos Antonio Rocca é doutor em economia pela FEA-USP, coordenador técnico do Comitê para o Desenvolvimento do Mercado de Capitais (Ibmec) e sócio diretor da consultoria Risk Office. Rocca também foi secretario da Fazenda do Estado de São Paulo e membro do Conselho Monetário Nacional (CMN).

Apropriação indébita na capitalização do fundo carioca | Paulo Borges e Ruy Bessone

Edição 67

 

Os jornais do final de outubro informaram que o Governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, e o Ministro da Fazenda, Pedro Malan, acertaram as bases de um acordo de renegociação da dívida do Estado que inclui a capitalização do Fundo Rioprevidência com recursos de duas fontes distintas: 2,5 bilhões como antecipação dos royalties do petróleo e 2,3 bilhões provenientes da Conta A da Caixa Econômica Federal, destinada à garantia dos compromissos assumidos com os antigos participantes da Previ/Banerj. Alega o governo que o Estado pode dispor desses recursos uma vez que paga os juros correspondentes ao empréstimo que lhe deu origem. Relembrar as razões que levaram o governo federal a optar pela abertura da referida Conta A ajuda a entender o equívoco do governo estadual quanto à disponibilidade daqueles valores.
Em fins de 1996, a Previ/Banerj apresentava elevado déficit atuarial, que era de responsabilidade do seu patrocinador. Com a liquidação do Banerj (banco velho) e com o objetivo de privatizar o banco estadual (banco novo), o Estado do Rio de Janeiro, seu principal acionista, assumiu todos os compromissos previdenciários e trabalhistas em relação aos participantes do fundo de pensão. Como não dispunha de recursos, o Estado solicitou empréstimo junto ao governo federal para poder cumprir essa obrigação.
Pretendia o Estado, já naquela época e ainda no mandato do governo anterior, gerir não apenas os recursos do empréstimo, mas também os originários do patrimônio da Previ/Banerj. Em troca, assumiria, via tesouro estadual, a responsabilidade de pagar as complementações de aposentadorias, sob a forma de renda mensal. Essa “fórmula” contudo não prosperou pelas seguintes razões principais: a) encontrou resistência dos participantes, que não concordaram em ficar vinculados ao Estado sem garantias de que haveria recursos para o pagamento de suas aposentadorias; b) encontrou resistência da Secretaria de Previdência Complementar, que não concordava com a transferência para o Estado da responsabilidade pelo pagamento de suplementações de aposentadorias do setor privado; c) encontrou resistência do Banco Central e do Ministério da Fazenda, além dos participantes, que não concordaram em entregar recursos do Tesouro Nacional nem da entidade previdenciária para o Estado gerir; d) encontrou resistência de todos os possíveis candidatos à compra do Banerj (muitos dos quais, aliás, desistiram no caminho), que sabiam de sua responsabilidade, como sucessores, sobre o déficit da Previ/Banerj e os direitos de seus participantes.
A saída encontrada foi a negociação desses direitos entre os participantes e o Estado, afinal consubstanciada em dois contratos de assunção de obrigações e negócio jurídico que o Estado do Rio de Janeiro assinou: um com a Previ/Banerj, relativo aos direitos previdenciários, e outro com o Banco do Estado do Rio de Janeiro S.A., correspondente aos direitos trabalhistas. A esses contratos aderiram os detentores daqueles direitos que assim desejaram, através de contratos individuais denominados termos de adesão.
Todos esses instrumentos contêm cláusulas e condições que fazem parte do acordo fechado entre as partes, e que, por óbvio, não podem ser modificadas unilateralmente por uma delas, por mais nobres que sejam seus propósitos. Além disso, as obrigações estabelecidas nesses contratos foram condição sine qua non para a concretização do negócio. Sem elas, a SPC não teria autorizado nem os participantes teriam concordado com a transferência (sub-rogação) de direitos, o Senado Federal não teria aprovado o empréstimo que deu origem à Conta A, o Liquidante da Previ/Banerj teria dado ênfase ao prosseguimento da Ação Monitória que cobrava do Banco a cobertura do déficit e, finalmente, o Banco Itaú não teria comprado o Banerj.
A tentativa de o governo estadual utilizar os recursos da Conta A para fins diversos daqueles a que se destinam, legal e contratualmente, é compreensível; a concordância do Ministério da Fazenda, entretanto, representa mudança completa (e radical) de entendimento sobre o assunto. Contudo, a efetivação da medida caracterizará o estabelecimento de novas premissas e condições negociais, o que, de um lado, poderá abrir espaço para que milhares de ex-participantes, que efetuaram o saque de suas reservas de poupança, pleiteiem nova condição e, de outro lado, dependerá da mudança de uma situação jurídica consolidada, que envolve cerca de 15.000 contratos e, obviamente, não poderá ser feita de forma unilateral sem esbarrar no crivo do Poder Judiciário.

Paulo Borges e Ruy Bessone é especialistas em gestão de fundos de pensão e consultores do Sindicato dos Bancários/RJ e da Federação dos Bancários/RJ-ES

Governança corporativa dá confiança aos investidores | João Bosco Lodi

Edição 66

 

Investidores institucionais dos países de economia avançada como os Estados Unidos querem investir cada vez mais fora de seu mercado doméstico, devido à saturação dos mercados de capital nesses países.
Mas os países emergentes que desejam atrair esses investimentos, concorrendo com outras nações, precisam adotar práticas para seduzir e proteger os investidores. A crise que afetou nos últimos dois anos a Rússia, os tigres asiáticos e o Brasil tornou ainda mais aguda essa necessidade. Apesar dos excessos cometidos pelos fundos de hedge e pelos bancos de investimentos, países necessitados de capital precisam aceitar as normas de transparência contábil, probidade administrativa, prestação de contas, reformas econômicas e bancárias para atrair de novo os capitais que fugiram.
A resposta para esses problemas está na adoção dos Códigos de Melhores Práticas de Governança Corporativa. Esse último termo é uma novidade dos últimos cinco anos. A Inglaterra editou sucessivamente três Códigos, criados por comissões lideradas pelos nomes que os documentos passaram a receber ou seja: Cadbury, Greenbury e Hampel. Chama-se de Governança Corporativa o papel que os Conselhos de Administração passaram a exercer para maximizar o ganho dos acionistas e arbitrar os conflitos existentes entre os acionistas, administradores, auditores externos, minoritários, conselhos fiscais (no Brasil) e os stakeholders: empregados, fornecedores / credores, clientes e autoridades do mercado de capitais.
Governança Corporativa passou a ser o título de numerosos seminários, cursos universitários e publicações em todo o mundo, especialmente nos Estados Unidos e Inglaterra. O assunto passou a ser prioridade para a OECD – Comunidade Européia, Banco Mundial, FMI e outras instituições privadas que editaram os seus Códigos de Melhores Práticas e exigem o seu cumprimento pelos recebedores de seu dinheiro.
O IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa lançou o primeiro código brasileiro em conjunto com a BOVESPA em maio passado. O conteúdo desses códigos é comum em traçar recomendações para os Conselhos de Administração e para o uso de Auditorias Externas Independentes.
Os investidores externos vêem na adoção desses códigos pelos países que recebem investimentos internacionais um início de garantia de probidade, transparência e respeito às leis, para valorizar o retorno do investimento dos acionistas. A recente notícia de desvios de verbas do FMI e do Banco Mundial da Rússia para bancos do Ocidente eleva ainda mais o cuidado com os créditos oferecidos a países em dificuldade financeira.
Conflitos entre acionistas e stakeholders, mal desempenho de presidentes executivos, auditorias usadas para homologar relatórios financeiros incorretos, conselhos dominados por figuras ligadas ao presidente, excesso de remuneração de diretorias aconteceram também no Brasil no caso de bancos. Fundos de pensão brasileiros que não prestaram contas ou foram mal auditados produziram escândalos recentes em nosso país. A Governança Corporativa é uma idéia capital e de extrema atualidade. Sem a seriedade necessária nosso país dificilmente aumentará a sua credibilidade no cenário internacional.

João Bosco Lodi é consultor de empresas e Vice Presidente do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa

A solidariedade entre as co-patrocinadoras | Sérgio de Andréa Ferreira

Edição 65

 

Vários são os sentidos em que o termo solidariedade é empregado no Direito da Previdência Privada, na hipótese de multipatrocínio.
A Lei nº 6.435, ao dispor sobre as Entidades Fechadas de Previdência Privada, estatui no parágrafo 2º do art. 34: “No caso de várias patrocinadoras, será exigida a celebração de convênio de adesão entre estas e a entidade de previdência, no qual se estabeleçam, pormenorizadamente, as condições de solidariedade das partes, inclusive quanto ao fluxo de novas entradas anuais de patrocinadoras”.
Já a Resolução MPAS/CPC nº 01, de 09.10.78, tem seção específica sobre Entidades de Várias Patrocinadoras, e, em seu item 30, prescreve: “As entidades fechadas de previdência privada, criadas por um conjunto de empresas patrocinadoras, farão anexar aos seus estatutos o convênio de adesão a que se refere o parágrafo 2º do artigo 34 da Lei nº 6.435, com as condições de solidariedade relativas à garantia das operações, as condições de desistência e a possibilidade de adesão de novas empresas.” Por seu turno, a Instrução Normativa MPAS/CPC nº 06, de 16.06.95, que estabelece Normas Procedimentais para os Convênios de Adesão, preceitua, em seu item 3, que é requisito mínimo dos mesmos a “previsão de solidariedade, ou não, quando se tratar de mais de uma patrocinadora”.
E a Resolução MPAS/CPC nº 06, de 07.04.88, em seu Anexo com Normas Reguladoras para a Saída de Patrocinadoras, refere-se às “entidades que têm solidariedade de contribuições, explícita ou implícita, entre várias patrocinadoras (contribuições com base na taxa média)”.
Verifica-se que a solidariedade previdenciária privada, não obstante opiniões em contrário, não é obrigatória, dependendo do que for convencionado no Termo de Adesão com a EFPP.
Juridicamente, a solidariedade, em sede obrigacional, nos termos do Código Civil (arts. 896 e seguintes), significa que de uma só relação jurídica se irradiam obrigações distintas, independentes, que têm em comum a satisfação do mesmo interesse.
A solidariedade, no multipatrocínio previdenciário privado, ostensivamente não tem, em princípio, por finalidade, ainda que no mesmo Plano, poder a EFPP passar a cobrar contribuições, e outros encargos e aportes, indistintamente de qualquer dos co-patrocinadores.
O que é assegurado, em benefício do Plano, é que, no caso de inadimplência do co-patrocinador, no que tange às suas obrigações, poder cobrar a EFPP a prestação do chamado devedor solidário, mas, verdadeiramente, devedor acessório. Na realidade, existe uma pluralidade de relações jurídicas: cada co-patrocinador mantém, individualizado, um vínculo com a EFPP, constituído pela formalização do convênio de adesão. É a solidariedade garantidora, traduzida na obrigação subsidiária, de cada um dos co-patrocinadores, em face da inadimplência de outros (Res. nº 01/78, item 30 cit.).
Existe, ainda, a solidariedade contributiva (com a igualdade das taxas de contribuição). Já agora, solidariedade está empregada no sentido de interação dos custos das massas vinculadas a cada co-patrocinadora do mesmo Plano (Res. nº 06/88 cit.). É a solidariedade contributória, que se traduz na uniformidade de contribuições dos co-patrocinadores.
Existe, ademais, a solidariedade patrimonial, que compreende a vinculação, em bloco, do patrimônio afetado a determinado Plano de Benefícios; e que dá lugar a uma comunhão de direitos e obrigações entre os partícipes de várias categorias (participantes, dependentes, patrocinadoras) sobre esse patrimônio, que, tecnicamente, é um patrimônio especial, vinculado ao Plano e distinto dos demais, que, em sua globalidade, pertencem à EFPP.

Sérgio de Andréa Ferreira é advogado, desembargador federal aposentado e ex-membro do Ministério Público.

Estado enfraquece o mercado de capitais no Brasil | Saul Sabba

Edição 64

 

O esvaziamento atual do mercado de capitais no Brasil deu-se de uma forma progressiva e com a contribuição do Estado. Com sua ação, ele atraiu a poupança privada para os títulos federais, pagando altas taxas de juros. E, com uma cascata de impostos – como: IOF, CPMF e IR – restringiu a emissão de debêntures para investidores estrangeiros. Uma série de regulamentações discriminatórias foi criada contra o chamado capital especulativo. Além disso, o mercado acionário foi bastante prejudicado com a nova lei das S.A. Na realidade, o mercado de capitais está, no momento, nos índices mais baixos de capitalização e fomento das empresas.
Quando o Estado quis viabilizar as privatizações para deixar de ser empresário e realizar a desmobilização dos seus patrimônios, criou a Lei Kandir, que pune o acionista minoritário e beneficia uma maioria de controladores. Os problemas se acumularam e chegamos à situação atual.
Se o Governo não tiver uma percepção bem clara da necessidade de uma mudança na Lei das S.A., o país ficará refém do empréstimo bancário como única fonte de recursos de capitalização. E trata-se de um dinheiro caro. Como a estrutura dos juros no Brasil é composta por uma cascata de impostos, as taxas podem cair na ponta do investidor, mas o captador sempre pagará muito caro pelo crescimento alavancado com empréstimo.
O que sobrou como mecanismo de mercado de capitais para fomentar o crescimento das empresas no país? A Bolsa continua com seus volumes minguando cada vez mais. No passado, ela contribuiu para capitalização de empresas de importantes setores, como petroquímico, siderúrgico e de telecomunicações. Atualmente, no entanto, a única forma de uma empresa se capitalizar – com exceção do empréstimo – é lançando ações nos mercados mais desenvolvidos, os ADRs, que para se concretizar levam de seis meses a um ano em média.
Será que a Europa e os Estados Unidos estão errados em ter um mercado de capitais pujante e ativo, onde pessoas físicas concentram até 50% da sua poupança pessoal? A falência do mercado de capitais no Brasil será inevitável se nada for feito. É inaceitável que um país de nossa grandeza tenha um mercado tão medíocre, a ponto de seis ou sete bancos dominarem o câmbio e a dívida pública. Há pouco tempo, alguns investidores e bancos criaram condições de levar o câmbio a R$ 2,20 para auferir lucro em cima do mercado futuro. Logo depois, o vencimento despencou. Na dívida pública, é questão de tempo para que aconteça o mesmo, já que ela está concentrada nas mãos de poucos bancos.
Percebendo o perigo, o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, já começou a romper algumas amarras do mercado com recentes medidas, que no entanto ainda são insuficientes. Fraga, porém, sabe da necessidade de se ter um mercado de capitais mais forte.
No meu entender, o cerne da questão está na mudança da Lei das S.A.
Deve-se voltar a valorizar o ativo ação. Em vez de a Receita Federal dedicar-se a tributar os investimentos de risco, deveria olhar para as operações fiscais que os novos controladores das empresas recém privatizadas estão realizando. Nas incorporações, eles estão repassando o ágio da compra para o benefício fiscal, deixando assim de pagar uma série de impostos e prejudicando também o acionista minoritário.
O mercado nos Estados Unidos e na Europa é hoje, basicamente, impulsionado pelas fusões e aquisições. Lá, quando há um take over, os acionistas na maioria são beneficiados, pela extensão das ofertas a eles.
Os preços das ações sobem, enquanto aqui, quando ocorre a venda do controle – como nas privatizações – as ações despencam. Foi o que aconteceu recentemente com CESP e COMGÁS. Hoje, as ações valem em torno de 20% do preço pago pelo controle. A Lei Kandir criou uma distorção, pois, ao retirar a extensão de oferta pública e o direito de recesso nas cisões, simplesmente castrou os direitos dos minoritários para beneficiar o estado nas vendas de suas empresas.
Outro ponto fraco da nossa legislação é o da oferta pública por parte do controlador. A CVM, no entanto, está se esforçando para atenuar o problema. O Governo sabe que a legislação atual é ruim, tanto que criou salvaguardas para os minoritários das empresas de telecomunicações.
Diante desse quadro, qual é então a saída para a revitalização do nosso mercado de capitais? Acredito que um passo importante seria os investidores se unirem em torno de um objetivo comum, como criar uma associação de classe para atuar junto à CVM e ao Congresso. A apresentação de um projeto para modificar a Lei das S.A. seria uma outra iniciativa necessária, assim como a conscientização dos empresários de que a mudança será benéfica para toda a sociedade.
Ainda é tempo de salvarmos parte do nosso mercado – porque um pedaço já migrou para a Bolsa de Nova York. Estamos apenas no início de um processo de reestruturação do nosso parque industrial. Temos ainda que nos preparar para garantir dinheiro às pequenas e médias empresas através do mercado de capitais. Se trabalharmos bem, no prazo de um ano conseguiremos mudar alguns pontos da Lei das S.A. e recomeçar um novo tempo para os mercados se consolidarem como uma alavanca para o desenvolvimento.

Saul Sabba é sócio-diretor do Banco Stock Máxima