Edição 332
PolÃtica, Economia e Pandemia continuarão se compondo nas pautas diárias para definir a direção dos preços dos ativos.
Em artigo recente no Jornal o Estado de São Paulo (20/12/2020) o prof. Affonso Celso Pastore cita, entre outros aspectos, o Ãndice de incerteza da economia construÃdo pela FGV e traz uma perspectiva da variação desse Ãndice nas crises recentes. Considerando que acima de 100 o grau de incerteza se eleva e abaixo de 100 o grau de incerteza é reduzido, temos em 2002 e 2008 esse Ãndice em torno de 130. Já em 2014 e 2016 chegou a esse mesmo patamar, e depois se estabilizou em torno de 110 no perÃodo de 2017 a 2019 quando tivemos crescimento do PIB na faixa de 1%.
No inÃcio da crise da Covid-19 no Brasil o Ãndice de incerteza bateu seu recorde histórico, chegando a 210 pontos (!) e depois vem se mantendo em torno de 150 pontos.
O que isso traz de impacto para nós que temos que gerir investimentos de longo prazo? Um grau de previsibilidade muito baixo, que pode nos levar a decisões que parecem fazer sentido no curto prazo mas que não necessariamente se verificarão acertadas no longo prazo.
No Brasil temos um ingrediente adicional, que é a taxa de juro a 2%, nÃvel baixÃssimo para os padrões locais e que em termos reais, quando considerada a inflação, fica no campo negativo.
Diante desse cenário, a diversificação dos portfólios de investimento, que era uma escolha no passado, é quase que mandatório hoje. Assim deverão continuar a ganhar mais protagonismo em 2021 os seguintes temas:
- Investimentos no Exterior, sob ao menos três perspectivas de diversificação: 1) a regional - selecionar que parte do mundo; 2) a setorial - no caso de Renda Variável temos alguns setores da economia pouco representados nos Ãndices locais; e 3) a de moedas - em momentos de crise, como o atual, o real tende a se desvalorizar perante as moedas fortes, e assim investimentos no exterior (sem hedge cambial) podem servir de proteção para crises locais;
- Aumento da parcela alocada em renda variável: até pouco tempo atrás a média de alocação do investidor brasileiro em bolsa, girava em torno de 10%. Com os movimentos de realocação ocorridos principalmente em 2019 e 2020 esse percentual subiu, mas está longe da média global, que para investidores institucionais gira em torno de 50%;
- Investimentos alternativos: Estes já fazem parte da carteira de muitos investidores, principalmente grandes e médios fundos de pensão e pessoas fÃsicas de alta renda (recursos geridos, por exemplo, através de Family Offices e Private Bankings). Porém Fundos Imobiliários, Fundos de Investimento em Participações e Fundos de RecebÃveis deverão ganhar mais protagonismo de forma geral na carteira dos investidores;
- ASG: os filtros e critérios de sustentabilidade ambiental (A), de impacto social positivo (S) e de boa governança (G) continuarão permeando de maneira transversal todos os temas acima. Na verdade, o que já é realidade há um bom tempo para muitos investidores e gestores globais, somente há pouco tempo passou a fazer parte das discussões da maioria dos investidores locais. Uma das razões é que a alocação histórica, majoritária e satisfatória em tÃtulos públicos federais reduzia a necessidade de uma análise mais sofisticada dos ativos investidos, agora e doravante as demandas serão outras ... e que bom, sinal de amadurecimento e desenvolvimento;
- A evolução Digital aplicada à área de investimentos: sem dúvida as atuais Fintechs continuarão ganhando protagonismo no setor de investimentos, mas também aparecerão novas ferramentas digitais para auxiliar os investidores e os profissionais das áreas de investimento a tomarem decisões mais sofisticadas.
Em resumo, o grau de incerteza elevado em conjunto com a necessidade de diversificação leva o investidor a tomar mais risco em um momento de previsibilidade reduzida.
E aà se torna importante falar um pouco da indústria de gestão de recursos de terceiros (asset management). Notamos que a partir de março de 2020, inÃcio da crise pandêmica aqui no Brasil, a demanda dos investidores por informações se tornou mais frequente e mais intensa. Não é por menos, pois se somaram vários fatores de diversas frentes:
- A necessidade imperativa de adaptação de toda a sociedade de uma nova dinâmica em nossas vidas pessoais e corporativa, construindo, por exemplo, de maneira quase que obrigatória a cultura do home office (trabalhar de casa) para atividades e setores onde isso é possÃvel;
- A implementação de um programa de distribuição de renda que alcançou 66 milhões de pessoas. Sendo que este, apesar de necessário e justificável, piorou nosso déficit fiscal levando a dÃvida pública a um patamar próximo a 100% do PIB, e como consequência tivemos uma redução do fluxo de investimentos globais em nosso paÃs –tal como em outros emergentes - devido à percepção de risco aumentada;
- Uma maior dificuldade de aprovação de reformas estruturais, como por exemplo a administrativa e a tributária, que, entre outros aspectos, aumentariam a confiança do investidor local e global;
- A mudança de cenário macroeconômico, onde a perspectiva - que se realizou – de menor atividade doméstica nos fez sair de uma previsão de crescimento do PIB de +3% para -7% naquele momento, e que dada a retomada do 3º trimestre nos leva a prever algo em torno de -4,5%. E essa atividade econômica reduzida trouxe impacto para a taxa de juro, permitindo uma polÃtica monetária mais expansionista – juro a 2% a.a. - bem como um facilitado controle da inflação – impactada negativamente nos últimos meses do ano devido à desvalorização do real frente ao dólar e a problemas de fornecimento de matéria prima e de oferta de produtos em alguns setores;
- A desvalorização de ativos de diversas classes, onde a mais divulgada e percebida foi no mercado acionário, levando o Ãndice Bovespa de aproximadamente 115 mil pontos para menos de 65 mil pontos;
- A marcação a mercado dos tÃtulos de crédito privado e mais recentemente também dos tÃtulos públicos, impactando negativamente os fundos de renda fixa. E isso teve como uma das principais consequências o resgate por parte do investidor menos qualificado ou menos informado ou ainda com menor tolerância a risco – pois a maioria dos fundos passou a ter ativos com prêmios maiores, e, portanto, com perspectiva de recuperação da rentabilidade.
Assim a crise não só levou o investidor a buscar mais informações, mas também a um melhor entendimento dos aspectos técnicos de mercado, dos ativos e dos produtos, que anteriormente não eram necessariamente foco de atenção.
Nesse sentido, os gestores de recursos e a Anbima tiveram, e têm, um importante papel de informação ao mercado e a investidores, da mesma forma que a CVM soube, mais uma vez, ajudar o mercado a navegar da forma mais segura possÃvel, evitando rupturas.
Aproveitando que estamos falando do regulador, vale ressaltar que em 2021 a CVM fará mais uma evolução nas regras que regem os fundos de investimento. Já está em audiência pública a reformulação da instrução CVM 555. Responsabilidade de Administradores, Custodiantes, Gestores e Investidores será um dos capÃtulos ao qual será dada atenção, e outro é uma maior flexibilização para que os investidores possam acessar estratégias de investimentos globais.
Portanto teremos que continuar fazendo a lição de casa, acompanhando de perto os temas acima e outros que possam ser relevantes, para que nossas decisões sejam tomadas da forma mais profissional e racional possÃvel nesse momento único da história recente da humanidade, onde a economia global foi severamente impactada por uma crise na área de saúde.
E finalmente, sem dúvida temos sinais positivos para 2021. A perspectiva de vacinação em massa no primeiro semestre do ano, somada à liquidez global trazida pela resposta à crise dos principais paÃses através de incentivos fiscais e monetários, poderão levar à continuidade do crescimento da atividade econômica global e também local.
Luiz Sorge é CEO do BNP Paribas Asset Management Brasil