Edição 372
A última sessão do Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) foi marcada pela eleição do novo presidente, o ministro Vital do Rêgo, e também, por uma expectativa. Esperava-se a deliberação de proposta de Instrução Normativa (IN) que redefiniria os contornos para o exercício do controle do Tribunal sobre as negociações de valores mobiliários e origens de déficits atuariais nos fundos de pensão com patrocinadores estatais federais.
A expectativa se justifica porque o modelo de controle por parte do TCU seria alterado, inaugurando uma nova etapa da jurisdição exercida pela Corte de Contas em relação às entidades fechadas de previdência. Caso aprovada, a Instrução tem o potencial de refundar o relacionamento entre o TCU, os órgãos fiscalizadores e supervisores (em especial, a Previc), além das próprias entidades.
Até então, a atuação do TCU sobre os fundos de pensão se dava por conta de um uso ampliado do controle de segundo ordem. Explica-se: o controle de primeira ordem é aquela titularizada pelos órgãos dotados de atribuição legal para supervisão e fiscalização.
Por sua vez, o controle de segunda ordem viabiliza o exercício do controle de forma indireta e complementar pelo TCU, o que se dá, por exemplo, por meio da fiscalização da atividade das instâncias supervisoras e fiscalizadoras.
Contudo, na prática, não era incomum que o TCU determinasse providências dirigidas aos próprios agentes fiscalizados (i.e., as entidades fechadas), seja por entender que o órgão fiscalizador teria sido omisso ou agido em desacordo com o ordenamento jurídico. Situação que se dava com maior frequência quando o Tribunal entendia que providências tomadas pelos supervisores e fiscalizadores seriam pouco efetivas.
A principal crítica é que as fronteiras entre os tipos de controle não eram claras, sem que se pudesse identificar os requisitos e condições que autorizariam o emprego dessa versão reforçada do controle de segundo grau (que, na realidade, equivalia a um controle de primeira ordem feita pelo próprio TCU).
Conforme se extrai do texto que acompanha a proposta de IN, a Corte de Contas rompe com essa lógica, ao entender que não há uma relação de precedência entre as diferentes instâncias de fiscalização pela Previc e controle pelo TCU. Isto é, cada um desses órgãos atuaria de forma autônoma.
Logo, a premissa adotada para a elaboração da minuta de IN, conforme se extrai de sua Nota Explicativa, muda completamente o foco da discussão sobre a atuação do TCU sobre os fundos de pensão. Com a nova normativa, o Tribunal passaria a atuar direta e rotineiramente sobre as entidades.
A premissa implícita que dá suporte a este novo fundamento é que as contribuições feitas a título de patrocínio pelos órgãos da Administração Federal teriam natureza pública, uma tese que, a nosso ver, não corresponde à exegese mais compatível com o desenho dado ao sistema de previdência complementar na Constituição, sobretudo a partir da redação do art. 202.
A atuação direta do TCU traz, a nosso ver, diversas consequências negativas. Há, por exemplo, a possibilidade de decisões conflitantes. O TCU, ao revisitar atos dos gestores das entidades fechadas já fiscalizados pela PREVIC, poderia se sobrepor às decisões dessa autarquia especializada, redefinindo diretamente o mérito das decisões.
Esse cenário contribuiria para fenômenos como o accountability overload e o “apagão das canetas”. O primeiro descreve o excesso de instâncias de controle, cuja atuação pode se mostrar redundante, desalinhada e custosa (lembremos que custos de gestão utilizam recursos que poderiam ser capitalizados para os benefícios previdenciários). Já o “apagão das canetas” reflete a paralisia decisória causada pelo receio de responsabilização excessiva, especialmente em atos de gestão que envolvem alto grau de complexidade técnica e estão colocados num ambiente de riscos.
Como a Instrução não foi aprovada, há tempo para que as áreas técnicas e os Ministros integrantes do TCU reflitam melhor sobre a vantajosidade (e mesmo constitucionalidade) da superposição de instâncias fiscalizadoras sobre os fundos de pensão. A independência de instâncias precisa ceder espaço a esforços de harmonização e coordenação.
Thiago C. Araújo é professor da EPGE/FGV, procurador do estado Rio de Janeiro e sócio do escritório Bocater, Advogados