Edição 370
Os fundos de pensão que adotam perfis de investimento em seus planos de benefícios estão tendo que começar a lidar com uma nova realidade, ou pelo menos a começar a pensar nela, que é a grande influência que as redes sociais e as plataformas de investimento exercem sobre as decisões dos seus participantes na hora de mudar de perfil de investimento. As informações passaram a ser muito mais acessíveis e a um clique de mouse eles conseguem comparar a rentabilidade do seu plano, e especificamente do perfil no qual estão, com a de outros perfis, de outros planos e de outras fundações.
As comparações, na verdade, estendem-se para muito mais longe, abrangendo não apenas o universo dos fundos de pensão mas a indústria de investimentos como um todo. Não raro, as aplicações de um determinado perfil de investimento são comparadas com aplicações de varejo de curto prazo, mas que acabam induzindo o participante a mudar de perfil de investimento nas janelas abertas pela entidade com essa finalidade em sua fundação.
Além disso, as decisões do participante estão sujeitas a influências de análises e de especialistas que pululam hoje pelas redes, nem sempre bem fundamentadas. “É preciso entender que previdência é um instrumento para trabalho de médio a longo prazo. E, nesse período, vai haver ciclos. Em alguns, a economia vai favorecer, mas em outros, não ajudará. Então, as análises simplórias de alguns ‘especialistas’ e influenciadores são muito perigosas. Previdência é um veículo bem estruturado, não se trabalha com um cenário único. É montagem de estratégia, estruturação, carteira, proteção…”, explica o diretor de investimento e controladoria da Previsc, Ricardo Esch.
Disseminação da desinformação - A internet está cheia de influenciadores que se dizem especialistas em economia e investimentos. Uma rápida busca no YouTube ou em redes sociais encontra centenas de perfis e vídeos, com milhões de acessos, dando sugestões para fazer lucrar o investidor. Também nunca se viu tanta propaganda de plataformas de investimento, com promessas de retorno muitas vezes irreais.
O diretor executivo do fundo de pensão dos funcionários do grupo Votorantim, Funsejem, José Freitas, alerta para a necessidade de os participantes buscarem informações sobre quem são os tais especialistas, como a formação, onde trabalhou, além de se certificarem de que os investimentos divulgados pelas plataformas podem mesmo trazer os ganhos prometidos.
“Seria muito bom se a gente tivesse investimentos seguros, sem riscos, rendendo 200% do CDI, mas não é assim. Aplicações mais seguras, com qualidade de risco factível, pagam muito pouco além do CDI, mas fazem sentido para construção de carteira de longo prazo. Se oferecerem rentabilidade muito maior que isso, há de se desconfiar. A pessoa pode querer ter um fluxo de caixa aumentado no curto prazo porque há algo escondido por trás”, aponta.
Freitas faz uma análise semelhante à de Esch e avisa que a solução não é deixar de se informar sobre investimentos, mas sim avaliar de onde vêm os dados obtidos. “Não desqualificamos a importância do especialista, do assessor de investimentos. Temos profissionais bons, que fazem excelente trabalho. Mas precisam ser isentos.”
Outro ponto que costuma confundir o participante é a diferença entre um investimento pessoal e as alocações de previdência complementar. Isso porque os investimentos propagados por influenciadores e plataformas, muitas vezes, têm como finalidade o ganho imediato, enquanto a meta de um fundo previdenciário é garantir rentabilidade a longo prazo.
“A gente vê plataformas oferecendo CDB de 200% para a pessoa física. Aí, vem aquela onda de questionamento para a gente. Precisamos explicar que são coisas diferentes, que somos investidores institucionais, não pessoa física. E que nem tudo que oferecem é verdade. Passamos por um processo de desinformação das plataformas em relação ao participante. Sofremos bastante com isso”, afirma Esch.
Busca por lucro imediato - Na Forluz, o excesso de informações disponíveis aos participantes é perceptível no comportamento de manada quando se abre um período de migração de planos. Com janelas abertas para transferências a cada três meses, os administradores têm observado picos de mudanças dos mais arrojados para os mais conservadores, ou vice-versa, de acordo com as rentabilidades mais recentes de cada perfil.
“Infelizmente, nossa sociedade não tem educação financeira de base adequada para entender essas movimentações, flutuações de mercado. Isso acaba impactando as tomadas de decisões dos participantes”, avalia o diretor de investimentos e controle da entidade, Emílio Cáfaro. “No fim, as informações de curto prazo que saem o tempo todo na mídia influenciam e culminam no excesso de migrações em nossos planos.”
O efeito do fenômeno apontado por Cáfaro pôde ser visto recentemente. Com a frustração no cenário econômico nos primeiros meses do ano, após a expectativa de aceleração na queda da Selic não se concretizar, investimentos de renda fixa se valorizaram e os perfis conservadores garantiram maior rentabilidade. Isso resultou em uma migração em peso dos participantes da Forluz para os perfis menos arrojados.
“De lá para cá, porém, tivemos três meses muito positivos para os outros planos. Quem fez a migração naquele momento acabou realizando a perda e não teve a reversão dos meses posteriores”, comenta Cáfaro. “Agora, na janela de agosto, percebemos que parte dos participantes que haviam feito a migração em maio voltou para os mais agressivos. Então, eles acabam ficando na contramão da rentabilidade.”
Para o diretor, ao analisar o mercado com “retrovisor de curto prazo”, o participante está fadado a acumular perdas. “Eles acabam analisando os resultados referentes aos últimos dois, três meses, no máximo. Estão sempre fazendo o movimento atrasado, e isso gera prejuízos. Precisamos fazer um trabalho de comunicação para mostrar que os momentos, tanto de alta quanto de baixa, passam. O importante é enxergar a longo prazo.”
Abaixo-assinado na Funpresp
Na Funpresp, um abaixo-assinado de parte dos participantes pede a criação de um perfil de investimentos composto 100% de títulos públicos federais. A iniciativa aconteceu após os resultados do início do ano citados por Cáfaro, quando o cenário macroeconômico fez com que esses ativos tivessem um bom desempenho.
Até o fim da primeira quinzena de setembro, a petição contava com cerca de 1,2 mil assinaturas, pouco mais de 1% dos cerca de 113 mil participantes da entidade. Presidente da Funpresp, Cícero Dias encarou com naturalidade a situação. Ele garantiu que ainda não havia tido acesso ao material, mas que analisaria as reivindicações listadas.
“Ainda não temos conhecimento formal do que é o pedido. Consideramos que não é significativo, mas vamos analisar com bons olhos, porque estamos aqui para atender os participantes. Ao mesmo tempo, porém, avaliamos que a demanda pode ter sido criada por impacto de curto prazo e não sabemos se foi uma petição espontânea”, apontou.
Dias lembrou que este tipo de mobilização dos participantes já surtiu efeito em outros momentos, como em alterações do regulamento da Funpresp para inclusão de produtos adicionais, mas rechaçou a possibilidade de repetir a decisão caso este novo pedido seja embasado por “circunstâncias conjunturais”.
“Qualquer reivindicação precisa ser estrutural, e não conjuntural. Nosso modelo precisa ser consistente para qualquer circunstância econômica. O pedido deles está seguindo apenas o cenário de alta na taxa de juros. Mas em um momento de taxas mais baixas, a gente veria reclamações do lado contrário, exigindo mais riscos. Então, nosso papel é fazer uma boa gestão do patrimônio a longo prazo e informar os participantes, afastando essa onda de desinformação.”