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Discurso de Bolsonaro foi devastador para o mercado, diz Tatulli

Rogerio TatulliPreviEricssonCom a divulgação nesta quinta-feira do IPCA de agosto, que elevou a variação desse indicador para 9,68% no período de 12 meses, o impacto da crise político-institucional produzida pelos pronunciamentos do presidente da República no dia 07 de setembro ganhou um tempero ainda mais apimentado nos mercados. A soma de incertezas políticas aos fatores econômicos que já vinham aumentando a pressão inflacionária tornou mais difícil o desafio dos gestores de investimentos dos fundos de pensão na tentativa de cumprirem as metas de seus planos de benefícios este ano. A avaliação foi feita pelo diretor superintendente da E-Invest, nova denominação da Previ Ericsson, Rogério Tatulli. “Não me lembro de ter visto uma união de tantos componentes ruins na mesa ao mesmo tempo; este ano, o gestor que conseguir bater meta atuarial deveria ganhar uma condecoração da patrocinadora”, ressalta.
Para o dirigente, os efeitos do pronunciamento do presidente da República no dia 07 foram “devastadores” para o mercado como um todo a partir da quarta-feira, trouxeram incertezas sobre a sustentação do parlamento ao governo e continuaram assim nesta quinta-feira (quando a bolsa operava em nova baixa e o dólar em trajetória de alta frente ao real até pouco antes da divulgação da carta à nação por Jair Bolsonaro). “O estrago foi forte nesses dois dias, acentuado pela extensão da fala do ministro Barroso, presidente do TSE. A notícia da inflação de agosto apenas acrescentou a pitada de tempero que faltava, com o IPCA mais alto dos últimos vinte anos somando-se às incertezas sobre uma eventual ruptura político-institucional. Todos esses fatores abalaram o mercado e dificultam a tomada de decisões de investimentos”, pondera Tatulli.
A situação traz dificuldades particulares para os gestores das fundações porque todos têm metas a cumprir que são atreladas a índices de inflação (IPCA ou INPC em sua grande maioria) além do juro atuarial utilizado pelos planos que está, na média do sistema, em 4,34%. “A pressão sobre os preços dos combustíveis, dos alimentos e da bandeira vermelha na energia elétrica, aliada aos riscos da crise hídrica ganharam ainda o componente de risco de desabastecimento produzido pelo bloqueio das rodovias. Tudo isso mostra que problemas não faltam e que o final do ano terá uma pauta mais difícil para a gestão de investimentos”, afirma.
No plano político-institucional, as falas do presidente no 07 de setembro ampliaram a dose de incerteza e, na opinião de Tatulli, as reações do presidente da Câmara, Arthur Lira, do ministro Luis Fux, do STF e de outros atores institucionais que se pronunciaram a respeito haviam sido insuficientes para conter o aumento da sensação de risco. “Em primeiro lugar, o mercado esperava que o ministro da Economia, Paulo Guedes, tivesse aparecido em público para se posicionar sobre a situação e isso não aconteceu. Então resta apenas muita incerteza”. Nesse sentido, as falas de Lira, Pacheco e Barroso acalmaram o mercado “pero no mucho”, diz Tatulli.
Além disso, ele lembra que a pauta do governo “está trocada” e não será resolvida por meros discursos. “O presidente da República voltou a falar de coisas que já foram votadas e derrotadas no Congresso Nacional, como a questão do voto impresso. Com isso, ele colocou areia nas engrenagens do mercado”, pontua.
Do ponto de vista prático da gestão de investimentos, resta aos fundos de pensão manter cautela redobrada este ano, montar portfolios defensivos e evitar qualquer mudança açodada em suas estratégias, à espera de que seja possível superar esta crise. “Vamos superá-la, como já fizemos antes, mas desta vez parece que a crise poderá ser mais cara e a solução, mais demorada. Até porque nós mal estávamos começando a sentir alívio na economia com a melhora dos sinais da pandemia de Covid-19 e vieram outros fatores para azedar o cenário, num movimento político que joga por terra uma série de coisas e paralisa os investimentos”, avalia.
Os únicos ganhadores com o clima de alta ansiedade e ameaças de ruptura, ressalta Tatulli, foram os grandes especuladores. “Eles ganham mas nós, que somos os guardiões do dinheiro dos participantes, precisamos minimizar as perdas de curto prazo enquanto procuramos enxergar as perspectivas a longo prazo e esse trabalho ficou mais difícil”, enfatiza.
Se a atual crise trouxe alguma certeza na área de investimentos foi a importância da diversificação de riscos. “Meu eucalipto está lá, crescendo e recebendo agora alguma chuva, sem saber nada da atual crise”, diz ele referindo-se à alocação da E-Invest em fundos florestais.
Além disso, a entidade mantém investimentos diversificados em outras classes e tem, por exemplo, 8,63% dos ativos de seu plano BD em fundos de investimentos no exterior. No plano CD esse percentual é de 8,07% e no plano CB está em 6,88%. “Vamos seguir na direção de diversificar cada vez mais e sem mudanças abruptas, fazendo apenas pequenos ajustes e aproveitando oportunidades no mercado até o final do ano”, informa.