Edição 371
O crescimento do crédito em geral e o efeito da Resolução CVM 175, que permitiu destravar o mercado de FIDC para o público em geral, ajudaram a expansão dessa classe em 2024. “Há hoje muitos emissores novos, a regulação facilitou muito, assim como ajudou o fato de vermos o mercado de FIDC saudável, depois de passar por uma importante evolução em sua governança”, diz Marcos Iorio, gestor de fundos de crédito privado da Integral Investimentos.
Essa evolução ficou clara durante os eventos de 2023, como por exemplo no caso do FIDC da Light, lembra o gestor. “As empresas com problemas viram as debêntures se desvalorizarem muito – e ainda hoje há dúvidas sobre o pagamento – mas a estrutura do FIDC não dependia da situação da Light e os investidores foram pagos integralmente”, destaca.
Como os FIDCs não sofreram uma compressão de spreads tão forte como nas debêntures e nas Letras Financeiras (LF), os prêmios continuam interessantes. “Há uma procura forte por parte dos gestores de crédito, que estão aumentando as parcelas de FIDCs dentro de suas carteiras devido à queda dos prêmios dos outros ativos”, afirma.
A Integral aproveitou o momento para lançar um fundo de fundos (FoF) de FIDC e, em seus outros fundos, está aumentando a parcela de FIDCs até onde o limite da regulação permite. O FoF, lançado há três meses, tem como objetivo uma carteira diversificada, com 30 a 40 transações diferentes em FIDCs e cedentes. A casa pretende lançar também, no início de 2025, um FoF de FIDC para ser distribuído ao varejo mas que vai atender também os RPPS. O objetivo é selecionar gestores especializados em empresas que estejam em recuperação judicial porque a alta da Selic trará maior dificuldade para essas empresas.
Preços e riscos - “O instrumento FIDC definitivamente aconteceu este ano”, afirma Ricardo Binelli, sócio da Solis Investimentos, em parte devido à compressão de taxas nos ativos tradicionais de crédito, em parte graças às questões regulatórias que afetaram a emissão de CRI, CRA, LCI e LCA e a taxação de fundos exclusivos e offshore. “A maior qualidade dos FIDC também tem contribuído para trazer diversos segmentos de investidores”, diz.
As duas principais questões colocadas pelo mercado hoje são relativas a preços e ao risco dos FIDC. “Quanto ao risco, a liberação para o investidor de varejo, por meio da Resolução CVM 175, não fez surgir qualquer operação “fora da casinha”. Muito ao contrário, a totalidade das ofertas segue voltada aos investidores qualificados e profissionais e não houve qualquer extravagância do mercado que aumentasse o risco”, afirma o gestor.
Para Delano Macêdo, sócio da Solis, há hoje mais investidores nesse mercado e com perfis distintos em prazos, grau de agressividade em volumes. “Há uma grande diversidade de públicos olhando para os FIDC e, por outro lado, há mais tomadores de crédito procurando essa alternativa. Temos feito aqui um trabalho de match entre diferentes perfis para organizar uma matriz que nos permita aproveitar o máximo possível essa demanda aquecida”, explica.
Quanto aos preços, Binelli observa que em alguns ativos “mais óbvios”, como o crédito consignado, já há alguma compressão de taxas, mas ainda no patamar de CDI mais 3% ou 2,75%, portanto acima dos preços das debêntures, “Temos procurado FIDC que não estejam emitindo séries grandes, para conseguir níveis melhores de preços, e também buscamos emissões mais específicas para nós, um trabalho de estruturação interna com mais prêmio pago pelos mesmos ativos”, diz.
Com o mercado recebendo muitos novos entrantes, é possível obter benchmarks acima da média do mercado. No primeiro semestre deste ano, a casa comprou R$ 1,4 bilhão a preço médio de CDI mais 4,4% em ativos que têm inclusive consignados. Essa taxa, explica o gestor, decorreu do ativismo na originação. Já no segundo semestre, desde julho, o volume comprado foi de R$ 500 a R$ 600 milhões ao preço médio de CDI mais 4%. “Isso nas operações que conseguimos originar aqui, mas o mercado tem gente comprando a CDI mais 1,70%”, diz.
Curiosidade pelos estruturados - Na Bradesco Asset Management, a robustez da gestora permitiu capturar o movimento de migração dos investidores para a renda fixa, classe que é destaque há dois anos, explica Maria Isabel de Paula Mattos, superintendente comercial para clientes institucionais e atacado.
“Em 2024 a renda fixa aqui já avançou quase 14%, acima da média da indústria, seja em gestão ativa, gestão passiva ou em crédito, tanto em fundos exclusivos como nos condominiais”, diz. Nos novos mandatos de fundos de pensão conquistados, 70% foram para fundos exclusivos e carteiras administradas, enquanto os RPPS fizeram crescer a captação dos fundos condominiais de renda fixa, inclusive nos fundos que apostam em vértices específicos de vencimento para os títulos públicos.
A mesa de crédito, que atingiu um total próximo a R$ 320 bilhões, tem hoje um perfil mais diversificado. “Saímos do perfil exclusivamente de high grade para acrescentar crédito estruturado, com dois fundos high yield em que entram investidores institucionais, incluindo EFPC”, afirma.
Além disso, a casa atua mais com FIDCs e a gestão de crédito ficou mais ativa. “O crédito é também o ponto central de muitos mandatos de renda fixa em que o cliente permite buscar melhor retorno”, observa.
A Resolução CVM 175, que revolucionou a indústria de fundos, exige governança muito forte dos gestores,avalia Mattos. “O nosso processo de crédito estruturado passa por um modelo amplo de governança, com quatro esferas de aprovação, mas é uma governança ágil, o que nos ajudou a não sofrer devido aos efeitos dos eventos de crédito de 2023”, diz.
O crescimento no crédito estruturado passa por um processo bem controlado, com fundos de tamanho menor, montados e distribuídos ao mercado para investidores profissionais. “Os spreads para high grade estão amassados, mas o high yield exige uma gestão de nicho e gostamos de atuar com bastante controle; os volumes nesse caso não crescem tanto como no high grade”, afirma.
Na discussão das políticas de investimento dos fundos de pensão para 2025, o interesse dos consultores continua voltado para a diversificação em renda fixa. “Tem havido curiosidade especial em relação aos créditos de special situations porque o institucional quer conhecer melhor esse ativo e ao mesmo tempo tem interesse em trocar uma parcela de seus fundos multimercados por crédito estruturado high yield”, detalha Mattos.
Fluxo concentrado - A preocupação em relação à situação fiscal, a expectativa de inflação desancorada e a interrupção do ciclo de queda dos juros, têm deixado o investidor ansioso e isso afetou os mercados de risco, observa Pierre Jadoul, diretor executivo e gestor da estratégia de crédito privado da ARX Investimentos.
“O investidor transita apenas em renda fixa e crédito privado, passando pelos fundos de investimento imobiliário, mas pouco. O fluxo de recursos vai só para a renda fixa e não se enxerga um trigger de curto prazo para mudar isso”, aponta Jadoul.
Se for mantida a preocupação com o lado fiscal, ele avalia que 2025 seguirá com a renda fixa dominando o investimento. “E será ainda a renda fixa conservadora, pós-fixada e com baixo risco de crédito. Se houver um pouso suave na economia dos EUA e o Fed conseguir cortar muito o juro, isso pode melhorar, mas vamos depender do cenário externo”, diz Jadoul.
A asset, que viu o seu volume total de ativos sob gestão em crédito subir de R$ 16 bilhões para R$ 21,5 bilhões desde o início deste ano, vê pouco apetite do investidor para tomar risco de crédito. “O ambiente levou a uma compressão dos spreads de ativos high grade. Mas não estamos aumentando o risco das carteiras porque estamos desconfortáveis com o cenário”, afirma.
Além disso, ele lembra que as mudanças feitas na legislação pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) este ano restringiram os lastros de LCI, LCA, CRI e CRA. No caso das LCI e LCA, o estoque na indústria já sofreu uma queda da ordem de 35% a 36% por conta dessa mudança e o total de emissões mensais no mercado tem caído, com o dinheiro migrando para a renda fixa no segmento de debêntures incentivadas.
“ Houve também a mudança nos fundos exclusivos, com a introdução do come-cotas, e muitos desses fundos estão sendo desmontados, com os recursos migrando também para o crédito incentivado”, detalha Jadoul.
As mudanças acentuaram ainda mais a concentração do fluxo. “Mas os fundos de pensão já começam a ficar incomodados com os prêmios comprimidos desse tipo de crédito”, diz.
Créditos de carbono - Entre os fundos de participações (FIP), o segmento florestal segue em franco crescimento, com investimentos contratados de R$ 105 bilhões segundo dados da Ibá, associação das empresas de base florestal, informa Guilherme Monteiro, sócio da Lacan Ativos Reais. “Há demanda aquecida por madeira sustentável e a produtividade das florestas plantadas no Brasil é inigualável no mundo”, diz. Nas florestas plantadas, caso dos ativos investidos pela gestora, o panorama é favorável e o pipeline tem novos projetos de base florestal que já nascem com a base bem amarrada.
Com quatro fundos florestais, sendo que o número quatro foi lançado há pouco mais de um ano e segue em fase de captação, a gestora tem obtido adesão expressiva dos investidores institucionais. “O quarto fundo traz uma inovação porque também terá eucalipto e um pouco de pinus, a exemplo dos outros três fundos, mas 5% de seu capital serão dedicados ao restauro de mata nativa em áreas de reservas legais”, explica.
O objetivo é ter um upside no retorno graças à venda de créditos de carbono, que será agregado tanto nos projetos de madeira comercial como naqueles voltados à mata nativa. “Será uma exposição interessante e estamos confiantes na geração de créditos, é um trabalho que temos desenvolvido ao longo de cinco anos”, diz Monteiro.
O fundo busca retorno de IPCA mais 7% até 12% na média, isso sem contar o possível upside dos créditos de carbono. “A depender dos preços desses créditos no mercado, seria possível agregar até 600 pontos base, no cenário mais otimista”, explica.
As primeiras áreas de reserva legal a serem regeneradas estão no Mato Grosso do Sul (MS) e a gestora contratou uma equipe especializada para fazer isso. Os primeiros projetos devem ser feitos entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024.
A Lacan trabalha ainda para que o fundo obtenha a denominação de Investimento Sustentável (sufixo IS) junto à Anbima. Ele já está enquadrado no artigo 9º da legislação de investimentos sustentáveis na Europa, o que significa que segue o modelo mais rígido do mundo em práticas socioambientais. “O veículo terá espaço para ir até R$ 1 bilhão, mas isso vai depender do investidor estrangeiro e do institucional. Já há EFPCs investindo nesse fundo”, diz Monteiro.
Ano de “massacre” - O ano tem sido um “massacre” na indústria de fundos de ações e nos fundos multimercados, o que é explicado pelos juros nominais e reais elevados, e pelo crédito super competitivo nos produtos incentivados, avalia Leonardo Linhares, diretor da área de ações da SPX Capital.
“Apesar disso, aqui tivemos captação positiva nas três estratégias de ações – long only, long biased e long and short. O diferencial da casa foi uma performance melhor do que a do mercado, apesar de também termos sofrido resgates, mas estamos satisfeitos com a captação obtida”, explica.
Com o início do ciclo de alta da Selic, a perspectiva não é muito animadora para a captação dos fundos de ações em 2025, pelo menos até meados do ano, avalia o gestor. “Daí para frente, entre meados e o final de 2025, vamos entrar em clima eleitoral e aí pode voltar o interesse pela bolsa, que está baixíssimo em todos os segmentos de público”, afirma.
“A qualidade das empresas hoje é muito melhor do que no passado, houve uma melhora na governança e o que atrapalha a bolsa é só o cenário macro, com o juro muito restritivo”, diz Linhares.
A asset, que tem 140 fundos de pensão e RPPS entre seus clientes, está ampliando a parcela de RPPS. “Hoje já são cerca de 20 RPPS no nosso passivo, apenas em estratégias long only, mas esse é um segmento relativamente novo para nós e temos notado que sempre que investem eles vêm com um trabalho muito bem feito para conhecer a casa e testar as nossas estruturas de governança e controles”, explica.
Os institucionais são os principais investidores nos hedge funds da casa para investimento no exterior. “Como eles olham prazos mais longos, não sofremos resgates relevantes nesses fundos, diferente do que ocorreu nos multimercados voltados ao mercado local”, afirma Linhares.
Por Classes (arquivo em pdf)