Edição 369
Os gestores de ativos de risco tem passado por um longo inverno desde meados de 2021 e a retomada dos investimentos em ações, que começou a ser desenhada no final de 2023 diante da perspectiva de inflação e juros menores, não tem sido acompanhada pelos fluxos de captação na indústria de renda variável, analisa Alexandre Sabanai, gestor de ações na Perfin Investimentos.
“Nos últimos meses havíamos começado a vislumbrar o fim desse inverno, com a perspectiva de recuperação dos preços dos ativos e dos fluxos de captação, mas a retomada tem sido capenga porque não foi acompanhada de aumento das aplicações. A captação na indústria deixou de ser um bolo e passou a ser um cupcake”, observa Sabanai.
Entre os fatores de incerteza no mercado, pesou o cenário nos EUA uma vez que a perspectiva de redução do juro americano, que chegou a produzir uma certa euforia nos mercados de ações em outubro de 2023, teve uma interrupção que durou até recentemente. “Isso deu um banho de água gelada no mercado global e contaminou inclusive os preços dos ativos de renda fixa”, afirma.
“No cenário local, temos a famosa questão do risco fiscal porque o mercado saiu de uma curta lua-de-mel com o governo ao perceber que era preciso sair do discurso para a prática”, diz. Isso gerou incerteza sobre um possível superávit e contaminou o prêmio de risco da curva de juros, uma situação que não é boa para o mercado de ações.
Outro aspecto é a questão da autonomia do Banco Central e de sua futura condução, sem ingerências políticas, aponta o gestor. “O mercado quer comprar a tese do Gabriel Galípolo – atual diretor de política monetária do BC –, o que tem ajudado a dissipar esse ponto. A indicação do Galípolo deve ajudar a reduzir esse componente de forma importante”, acredita.
Cavalaria do Fed – À medida que todos esses ruídos internos e externos fizeram movimentar o câmbio, a desconfiança contaminou a expectativa de inflação. “Com isso, uma parcela do mercado no Brasil passou a esperar até mesmo uma possível alta da taxa Selic, mas acredito que seremos salvos pela “cavalaria americana” porque o juro dos EUA deve cair, afetando também a perspectiva local”, afirma.
O diferencial entre o juro brasileiro e o americano ficará muito alto e impactará o câmbio, o que tende a trazer o investidor “gringo” para consumir o nosso juro. O dólar enfraqueceria, ajudando a controlar a inflação aqui. “Se o juro nos EUA começar a cair a partir de setembro, haverá um alívio no atual maçarico que aquece as projeções de câmbio e inflação, sem necessidade de elevar a Selic”, aposta o gestor.
Com a Selic estável em 10,5% até meados do próximo ano, no segundo semestre de 2025 será possível discutir a retomada do ciclo de queda do juro. Hoje o mercado atribui um prêmio de risco de 11,5% na curva, diz Sabanai, mas mesmo imaginando que a inflação fique desalinhada e chegue a 5%, o juro real seria de 6,5%.
Precificação extrema – Pelos padrões históricos, porém, ele lembra que houve poucos momentos de estresse em que a NTN-B chegou a pagar esse nível de retorno, um deles na crise global de 2008 e o mais recente em 2015, no período que antecedeu o impeachment da presidente Dilma Roussef. “Isso nos diz que o mercado está levando a precificação dos ativos a um nível extremo, compatível com alto nível de estresse”, analisa.
No patamar de 130 mil pontos, o Ibovespa estaria perto de sua máxima histórica, mas a bolsa está barata. “Mesmo considerando os padrões dos momentos de maior estresse, em 2008 e 2015, o patamar do P/L (indicador de preço/lucro das empresas) é hoje um dos mais baixos dos últimos vinte anos”, afirma.
Naquele momento as empresas estavam baratas mas o investidor comprava lucro futuro. Em 2024, entretanto, o cenário é muito diferente. “Os indicadores de atividade e lucros estão muito bem, ou seja, a bolsa está barata e o investidor corre menos risco porque a atividade corrente já é muito forte e as empresas estão gerando caixa, com bons lucros e sem maior endividamento”, diz.