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Modelo e gestão | Jair Ribeiro

Edição 52

A excessiva padronização dos modelos de avaliação de risco tem proporcionado o aparecimento de distorções no mercado, na medida em que a utilização intensiva dos mesmos instrumentos levam à adoção de decisões similares. Nas situações de crise, a quase unanimidade faz o mercado perder a liquidez, potencializando as perdas por falta de compradores. Isto ocorreu em outubro de 1987, no crash da bolsa de Nova York, e também nas recentes turbulências do nosso mercado.
O risco de que estamos tratando é aquele decorrente das oscilações aleatórias de preço, cuja origem pode ser específica do ativo ou proveniente da conjuntura econômica geral. No caso brasileiro, a maior ameaça à situação patrimonial dos Fundos de Pensão tem sido o risco conjuntural, que por sua natureza sistêmica, afeta indiscriminadamente os preços, enfraquecendo a diversificação de ativos, por mais eficiente que seja a estratégia adotada. Infelizmente, a desvalorização cambial de janeiro último foi uma manifestação sintomática deste risco conjuntural e cálculos preliminares indicam que a variação negativa do patrimônio dos Fundos de Pensão, mesmo que momentânea (o susto já foi dado), pode atingir 30% entre dezembro de 98 e janeiro de 99, se considerarmos os patrimônios expressos em dólares. Nosso enfoque principal neste artigo está voltado para as iniciativas de implementação de modelos de avaliação de risco de mercado que apoiem o processo decisório e a gestão de investimentos. A partir de uma situação prática, procuramos analisar suscintamente a eficiência de um modelo e apontar sua utilidade no contexto da realidade de um Fundo de Pensão.

Teste de eficiência - Testar a eficiência é condição de primeira ordem para validar um modelo como candidato a instrumento de apoio no processo decisório. Já existem no país empresas que prestam serviços de consultoria nesta área, realizando tanto as simulações como os testes de confiabilidade. No entanto, não há como prescindir do domínio conceitual das técnicas pela equipe interna, que é quem possui real conhecimento das particularidades da entidade. Desenvolver internamente ou se utilizar da terceirização é uma decisão individual, que leva em conta cada situação particular do Fundo de Pensão.
Como exemplo, podemos apresentar a situação prática da Eletros, que vem desenvolvendo esforços nesta área. Aqui, a opção foi por desenvolver todas as etapas internamente, atuando tanto no domínio do conceito de valores em risco quanto no desenvolvimento do modelo, buscando sempre a simplicidade mas sem, entretanto, afetar a credibilidade dos resultados. Baseado no conceito de Value-at-Risk (VaR), nosso modelo tem por objetivo estimar a perda das carteiras a partir de determinada probabilidade de ocorrência. Dos ativos que compõem o patrimônio, as ações se constituem no segmento que apresenta maior risco de mercado, com maior variabilidade nos preços. Esta afirmação pode ser facilmente estendida para a grande maioria dos fundos de pensão brasileiros. Em decorrência disso, nosso principal foco de atenção, no processo de monitoramento do risco de mercado, é com a carteira de ações. Tendo dominado satisfatoriamente o VaR, tarefa facilitada pela simplicidade do conceito, temos avançado mais recentemente no sentido de verificar a eficiência do modelo através do processo de back-testing, que consiste em retroceder a carteira diariamente, calcular as perdas prováveis (VaR) e confrontá-las com as perdas efetivamente ocorridas.
Utilizando um intervalo de confiança de 95%, que equivale a dizer que a cada 100 dias a perda efetiva só é maior do que a estimada em 5 dias, os resultados foram os do quadro na página ao lado.
Os resultados do teste de eficiência mostram que as perdas estimadas pelo VaR foram de 94,1% (100,0% menos 5,9% negativos) e ficaram aquém do limite de 95% de confiança. Detectamos que a causa desta pequena distorção é a distribuição dos retornos das ações, que são ligeiramente assimétricas, contrariamente à nossa suposição de normalidade da curva. Realizamos, no entanto, um teste estatístico de verificação, que não foi conclusivo no sentido de rejeitar os resultados.
Assim, consideramos que nosso modelo possui eficiência satisfatória e, portanto, sua utilização é positiva na tomada de decisão.

Utilidade na gestão - Testada e aceita a eficiência do modelo, cabe delimitar sua utilidade dentro do processo decisório. A complexidade desta etapa atinge a gestão de recursos em geral, visto que as áreas de risco ainda se encontram em fase de consolidação. No entanto, qualquer modelo de avaliação de riscos – e certamente a maioria dos que tratam da gestão de ativos aplicada ao segmento – só apresenta verdadeira utilidade quando inserido no contexto global do Fundo de Pensão e, portanto, levando em consideração o passivo, a natureza dos compromissos e a relação de longo prazo com os participantes.
Não existem dogmas, não há o melhor modelo e as particularidades de cada entidade têm que ser levadas em consideração. Planos de benefício definido têm, por exemplo, apresentado um agravante na avaliação integrada de riscos porque o passivo tem tido comportamento imprevisível, que vem reduzindo a eficácia de decisões adotadas na gestão dos ativos.
Por mais sofisticado ou poderoso que seja na avaliação de risco do tipo VaR, o modelo não deve substituir julgamento ou experiência. Estas qualidades são sempre úteis na antecipação de eventos ou na definição de variáveis-chave para o modelo.
Retratando a situação prática da Eletros, as decisões sempre tiveram como prioridade a preservação do equilíbrio atuarial, considerando as exigências do plano de benefício definido. Há algum tempo é utilizado o conceito de risco integrado entre ativo e passivo para definir políticas de investimentos. Nos últimos anos, por exemplo, o Plano de Investimento tem considerado uma composição de ativos em que a rentabilidade mínima global garante, com 98% de chances de ocorrência, o equilíbrio atuarial em qualquer cenário econômico. Neste nível de tomada de decisão, o modelo tem sido o fator preponderante e a alocação dos ativos é resultado das simulações de fronteira eficiente, com a inclusão de hipóteses de perda máxima. Os resultados têm sido bastante positivos.
Nas decisões mais operacionais, adotadas no dia-a-dia, o modelo de VaR tem sua utilidade na determinação dos impactos na situação patrimonial e na estimativa de déficits atuariais de curto prazo. Neste nível, modelo e opinião da equipe se complementam na tomada de decisão. Como já expusemos, a fonte de maior risco de mercado dos nossos ativos é a carteira de ações, cujo aumento da volatilidade, e por conseguinte do VaR, representa diretamente uma maior probabilidade de ocorrência de déficit atuarial. Assim, o aumento das tensões no mercado eleva o valor em risco da carteira de ações e aponta para a necessidade de adoção de medidas que podem ser operações de hedging, se a estratégia for a de manter a alocação original de ativos e a participação relativa das ações, ou vendas diretas no mercado com a transferência dos recursos para a renda fixa. Nesta situação, entretanto, os Fundos de Pensão não podem perder de vista sua perspectiva de longo prazo, evitando acompanhar os exageros dos imediatistas do mercado, que realizam operações a qualquer nível de preço.
Por fim, é importante destacar que a alta volatilidade dos nossos mercados, que pressiona pelos desequilíbrios atuariais, é mais um sintoma do risco conjuntural que os modelos apenas refletem. Os resultados positivos que vêm sendo obtidos no segmento têm se valido da percepção deste tipo de risco, cuja conseqüência tem sido a consolidação de uma gestão preventiva e hábil no trato das questões previdenciárias. Os diagnósticos que não consideram a real dimensão destes aspectos não resistem ao tempo e acabam por serem reavaliados.
Parâmetros e resultados Tamanho da amostra 269 dias Intervalo de confiança - 95% Total de erros - 26 % da amostra - 9,7 % positivos - 3,8 % negativos - 5,9

Jair Ribeiro é responsável pela assessoria de análise de risco da Eletros. O texto contou com a colaboração de Alessandro Gomides, também da Eletros.