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O Barato, o Caro, e os Números Invisíveis _ Adriana Dupita

Edição 365

Dupita,Adriana(Bloomberg) 20marA condução da política econômica, as projeções macroeconômicas e a análise de investimento são todas tributárias – conscientemente ou não – de dois números invisíveis, mas cruciais: o crescimento potencial das economias e a taxa de juros neutra. Pode parecer um tema acadêmico e envolto em economês castiço, mas é um debate que também perpassa o universo dos investimentos. Qualquer consideração sobre perpetuidade e custo de capital se baseia em hipóteses sobre esses números misteriosos. Crescimento e juros são ingredientes fundamentais da dinâmica – e do preço justo – da dívida pública e privada. A incerteza sobre estes números invisíveis também explica a hesitação de alguns bancos centrais em cortar juros, o que afeta a alocação dos investidores entre renda fixa e variável.
De forma simplificada: crescimento potencial diz respeito à capacidade da economia de se expandir sem gerar desequilíbrios ou pressões inflacionárias. Taxa neutra é a taxa de juros que, ao equilibrar a oferta e a demanda de dinheiro na economia, não causa nem combate a inflação. O problema é que estes números não são computados e publicados por órgãos estatísticos. Tampouco são estáveis ao longo do tempo. O máximo que se pode fazer é, a partir da análise dos eventuais desequilíbrios, inferir se a economia está correndo acima ou abaixo de seu potencial, e se os juros estão acima ou abaixo da taxa neutra.
Há motivos para crer que a economia mundial “mudou de fase”: depois de décadas de crescimento forte e dinheiro barato, uma conjunção de fatores conspira para empurrar a taxa neutra para cima e o crescimento potencial para baixo. Um deles é a dinâmica populacional. A maioria das economias avançadas e em algumas das emergentes – com destaque para a China – já deixaram para trás o chamado “bonus demográfico”, período no qual a população em idade ativa cresce mais rapidamente que a população infantil ou idosa.
Esta dinâmica joga contra o crescimento potencial porque – tudo o mais constante – reduz a quantidade de mão de obra disponível para sustentar o crescimento da economia. Influencia também o juro neutro: em geral, as pessoas poupam mais durante sua fase ativa, e portanto o envelhecimento da população implica menor disponibilidade de dinheiro para financiar a economia como um todo – elevando a taxa de juro neutra.
O aumento do déficit e do endividamento público inclusive nas economias avançadas também aponta para uma elevação da taxa de juros neutra. Uma população mais longeva – o que, em si, é uma excelente notícia – pressiona os gastos públicos, seja no sistema previdenciário, seja em subsídios ao sistema da saúde. A mitigação dos impactos econômicos da mudança climática também demandará recursos públicos, na forma de investimentos ou subsídios.
Traduzindo em números: o crescimento potencial da economia global projetado pela Bloomberg Economics declina ao longo das próximas três décadas, com uma média de 2,9% ao ano no período -- bem inferior aos 3,6% visto nas duas décadas que precederam a pandemia. Nossas projeções para os fatores que influenciam a taxa de juro neutra nos EUA sugerem um aumento de 1 p.p. na próxima década em relação ao estimado para a década passada. Isto seria compatível com uma taxa de 10 anos nos EUA entre 4,5% e 5% -- ou seja, o nível atual poderia ser o “novo normal” num horizonte não muito distante.
A falta de clareza e consenso sobre estes números afeta desde já a condução da política monetária em diversas economias. Alguns membros do Federal Reserve creditam parte da resiliência da inflação americana à possibilidade de que os juros neutros sejam mais altos do que se estima – o que diminuiria o poder da atual taxa dos Fed Funds de debelar a pressão inflacionária. A resiliência do crescimento na Zona do Euro levanta a suspeita de que também lá juros neutros mais altos signifiquem que a política monetária esteja menos apertada do que o imaginado. Estas dúvidas aumentam o custo dos cortes de juros – sem saber ao certo a taxa neutra, um corte que parece justificável agora pode se mostrar na verdade prematuro. A postergação dos cortes mantém o mercado em suspense e os investidores, na defensiva.
Este debate traz três reflexões para os investidores. Com o fim da era do dinheiro barato e um crescimento mais contido, torna-se menos provável o surgimento de novas bolhas de ativos. Também sobe a régua para decisões de investimento com risco. A incerteza em torno destes números invisíveis significa que a percepção sobre os preços justos pode oscilar diante de novas informações – o que implica volatilidade, tanto em renda variável como fixa.

Adriana Dupita é economista sênior da Bloomberg Economics para Brasil e Argentina