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Mais tarifa, menos crescimento
Para Scandiuzzi, o custo do tarifaço de Trump vai ser pago pelos consumidores americanos e isso vai reduzir o crescimento do país

Scandiuzzi,Joao(BTG) 25abrEdição 375

O “tarifaço” anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no último 2 de abril é a sua cartada para promover uma “reindustrialização” do país. Quinze dias depois de anunciada, a medida já tinha sido alvo de várias idas e vindas por parte de Trump, seja reduzindo impostos de alguns países ou de blocos inteiros de países ou reduzindo de alguns tipos de produtos ou categorias industriais. O Brasil ficou no bloco dos países que receberam uma tarifa de 10% para exportar aos Estados Unidos, que logo virou a tarifa mínima para todos (provisoriamente por 90 dias), com exceção da China. Como o Brasil lidará com a nova realidade? Conversamos sobre isso com o estrategista-chefe de portfólio solutions do BTG Pactual, João Scandiuzzi, e publicamos abaixo os principais trechos da entrevista:

Investidor Institucional - Qual sua opinião sobre a política de tarifas “recíprocas”, adotada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump?
João Scandiuzzi - Essas tarifas vão produzir um choque de oferta nos Estados Unidos, vai aumentar a inflação e reduzir o crescimento. Tem diversos canais por onde poderá vir essa redução do crescimento, sendo que o primeiro deles é a inflação, que vai acabar deprimindo a renda real. Veja, o mercado de trabalho já não está mais tão aquecido quanto estava em boa parte do pós-pandemia, a redução da renda real das famílias, na verdade, é um aumento de imposto. O Trump sempre diz que quem vai pagar o imposto são os países que estão sendo tarifados, mas na verdade boa parte do imposto vai ser pago pelos consumidores americanos, e isso vai reduzir o crescimento do país. Além disso, as tarifas impactaram a riqueza das pessoas, gerando uma destruição de valor muito grande nas bolsas, que afeta bastante a classe média americana, tanto diretamente em suas aplicações em bolsa quanto indiretamente através de seus fundos de aposentadoria, os chamados 401K. Tudo isso deprime o consumo e vai reduzir crescimento.

Isso do ponto de vista das pessoas físicas. E do ponto de vista das empresas, como elas serão afetadas?
As empresas estão paralisadas, não sabem exatamente quanto vão pagar para adquirir produtos, se elas podem confiar na sua cadeia de suprimentos. Então, isso tudo também gera uma paralisia do ponto de vista de investimentos empresariais. Então, o custo de curto prazo é muito claro. A médio prazo, o que o Trump propõe, e muitos que o cercam nessa questão de comércio propõe, é que isso vai gerar uma reindustrialização americana e reduzir certas vulnerabilidades do país, inclusive do ponto de vista de segurança nacional.

Acha que isso acontecerá?
Eu sou um pouco cético em relação a isso. Óbvio que se você subir a tarifa e sustentar isso por muito tempo, você pode até obter uma certa reindustrialização, mas é uma industrialização que, na verdade, não vai gerar uma indústria forte, competitiva globalmente. A gente sabe que países que são mais isolacionistas e que perseguem uma estratégia de substituição de importações, acabam tendo uma indústria que é mais ineficiente, mais cara.

Muitos empresários reclamam da insegurança criada por Trump, dizem que isso torna difícil planejar novas fábricas nos Estados Unidos. Qual sua opinião?
É isso, se existir uma insegurança muito grande sobre tarifas, até mesmo se elas vão ficar no lugar que estão ou não, fica mais difícil planejar. E quando se fala em construção de fábricas, investimentos produtivos, são propostas de médio e longo prazo que demandam uma certa clareza sobre as regras do jogo. Então, eu acho que isso também é um aspecto importante a ser considerado.

O “tarifaço” de Trump visa também resolver o problema do déficit dos EUA. Tem alguma chance?
Do ponto de vista macroeconômico, um déficit externo gera a necessidade de absorver poupança externa. Então, países que têm déficit muito grande, como é o caso americano, na verdade eles têm um investimento que supera a poupança doméstica, seja privada, seja pública, que tem que ser financiado, basicamente, com a entrada de capitais estrangeiros. Se os Estados Unidos quiserem reduzir esse déficit, ou zerar, ele teria que passar para um outro equilíbrio doméstico, ou via queda de investimento, o que seria muito negativo para crescimento de longo prazo, ou via aumento de poupança doméstica. Então, não é simplesmente uma coisa mecânica, coloca a tarifa e resolve o déficit, reindustrializa e pronto. Você tem que mudar o equilíbrio de variáveis macroeconômicas domésticas. E a gente sabe que não existe hoje um plano nos Estados Unidos de recompor poupança.

Inclusive, há a expectativa de que o presidente Trump anuncie nos próximos dias um corte de impostos. O que acha disso?
A gente não sabe se também vai ter corte de gastos, junto ou não com o corte de impostos, mas eu diria que não tem um plano de ajuste fiscal. Inclusive, uma parte da abordagem do Trump para tarifas é aumentar a arrecadação para financiar esse corte de impostos. E como eu falei, ele tem uma visão errônea de que quem vai pagar totalmente são as tarifas, é o exterior, e aí você conseguiria meio que um “almoço grátis”. Mas, enfim, acho que ele está pouco de olho nessa questão da arrecadação também.

É por essa visão arrecadatória que ele baixou a tarifa “recíproca” mínima para 10% e não para zero, com exceção da China?
Sim, eu acho que esses 10% ele colocou desde o início para não negociar, porque isso aí me parece que é o componente das tarifas que ele está vendo como arrecadatório.

Como a tarifa de 10% afeta o Brasil?
O Brasil tem um histórico de industrialização baseado na substituição de importações, que é a tese que o Trump está abraçando agora, então a gente sempre trabalhou com tarifas altas e acho que teve até um certo alívio quando a gente entrou no grupo de 10%, que era a tarifa básica, vamos dizer assim. A gente pode pensar em efeitos diretos e indiretos para o Brasil, sendo os diretos, obviamente, ligados aos nossos principais setores que exportam para os Estados Unidos. O maior de todos é o do aço e alumínio, que já vinha sendo afetado pela tarifa de 25% anunciada antes de 2 de abril. Mas além de aço e alumínio, também têm produtos acabados de aço e de alumínio da indústria metal mecânica. Tem também aviões regionais, jatos regionais da Embraer, produtos de madeira, materiais de construção. São esses os principais setores afetados, mas o impacto macroeconômico desse efeito direto não é tão grande.

Porque diz que esse impacto não é grande?
Por três razões. Primeiro, porque a nossa tarifa já tinha ficado em 10%, que era mais camarada; segundo, porque o Brasil é um país fechado, as exportações não são uma locomotiva de crescimento; e terceiro, nossas exportações para os Estados Unidos representaram, no ano passado, apenas 1,8% do PIB. Ou seja, as importações como um todo não são muito grandes e as específicas dos Estados Unidos são menores ainda. Por tudo isso, o impacto macroeconômico direto não é muito grande.

E o impacto indireto?
Ai a gente tem que ver como o “tarifaço” vai afetar o crescimento de outros grandes parceiros comerciais brasileiros. Então, na medida em que Europa e China são afetados, que são grandes parceiros comerciais do Brasil, isso também implica um pouco menos de demanda por exportações brasileiras para essas jurisdições. E tem um outro efeito que também é importante: se o mundo como um todo vai crescer menos por conta das tarifas, então você vai ter também menos demanda por commodities. E a gente viu uma grande queda de preços de commodities nos últimos dias, desde o anúncio das tarifas. Hoje em dia, por exemplo, o petróleo tem um peso enorme na nossa pauta, rivaliza com a soja em termos de primeiro produto de exportação, e teve uma queda muito grande. Então, tem também um efeito preço que acaba prejudicando o Brasil.

A Europa já percebeu, não só pelas tarifas mas pela postura anterior do Trump com relação à guerra da Ucrânia, que ela vai ter que aprender a se virar sozinha. Isso pode fazer com que ela olhe com mais atenção para parcerias que pareciam estar em segundo plano, como o Acordo Mercosul-União Europeia?
Acho que sim. Se a principal economia do mundo está se fechando, isso aumenta os incentivos da Europa para buscar novas parcerias e a gente pode se beneficiar disso. As resistências da França ao acordo parece que diminuíram, a Áustria é outra que mudou de posição, ela estava contrária à ratificação do acordo mas nos últimos dias tem dado sinais de que poderia ser favorável. Mas, ainda assim, é um processo lento, porque tem que passar por 27 parlamentos.

E com relação à China, também podemos vislumbrar novos acordos?
As relações China-Brasil estão muito estreitas, a gente viu no final do ano passado, quando o presidente Xi Jinping esteve no Brasil para a reunião do G20, fez uma visita à Brasília, ao presidente Lula, então tudo mostra, de fato, um carinho especial da China pela região e pelo Brasil, em particular. Mas temos que ser cautelosos. Entre 2018 e 2019, na guerra tarifária entre China e Estados Unidos, no início o Brasil acabou sendo até um ganhador, porque um dos primeiros movimentos dos chineses foi reduzir dramaticamente a compra de produtos agrícolas americanos, sobretudo soja, e aumentaram as compras do Brasil. Só que, depois desse primeiro momento, houve um acordo entre Estados Unidos e China e uma das cláusulas que a China negociou foi que eles voltariam a comprar soja americana e comprariam muito mais do que compravam antes da guerra comercial. Então, houve inicialmente um desvio de comércio favorecendo o Brasil mas depois houve um refluxo.

Essa reversão também pode acontecer no caso da Europa?
A gente só tem que tomar um pouco de cuidado para não projetar anos à frente de algo que ainda é muito fluido. As tarifas de Trump aumentam sim as chances de ter um acordo Mercosul com União Européia, mas a gente pode também ter alguma negociação Europa-Estados Unidos no meio do caminho, algum tipo de sinalização de abertura do mercado agrícola europeu para os americanos, que sempre acusaram os europeus de serem muito protecionistas nessa parte agrícola.

Como os Estados Unidos estão olhando para os Brics?
Acho que isso nem passa pela ótica americana nesse momento. Eles estavam com muito medo era da questão da substituição do dólar como moeda de troca por outra moeda, como tinha sido aventado pelos Brics, e se houver qualquer sinal de algo que rivalize com o dólar em termos de moeda dominante no mundo eles vão reagir. Trump sempre ameaça usar tarifas quando se fala dessa substituição de moedas. Mas, fora isso, os Estados Unidos estão olhando mais país a país e não para blocos.

Qual o peso da queda dos mercados acionários nos Estados Unidos e das pressões do empresariado norte-americano na decisão de Trump de voltar um passo atrás, fixando momentaneamente as tarifas em 10% com exceção da China?
Foi justamente esse conjunto que levou o Trump a dar esse passo atrás. A queda das bolsas foi muito acentuada, muito expressiva e muito rápida, e isso claramente gera, como eu falei, um efeito muito grande sobre famílias americanas. A exposição das famílias americanas à bolsa é muito maior do que, por exemplo, a brasileira. Então, isso afeta a confiança, a disposição de consumir. Tem uma série de estudos que mostram que para cada 100 dólares de queda da bolsa você tem entre 3 e 5 dólares a menos de consumo, num prazo de até um ano. E teve também a reação do establishment, das empresas, de Wall Street, que criticaram claramente o governo, colocaram pressão pública e muita pressão também sobre parlamentares republicanos.

A Europa, após Trump, deu os primeiros passos no sentido de buscar sua reorganização, inclusive investindo em infraestrutura e em rearmamento, segmentos que podem desencadear investimentos em outras áreas. Como você vê esse processo de reorganização europeu?
Acho que vai avançar, inclusive porque ainda temos uma tarifa de 10% sobre a Europa. E tem a tarifa de 25% sobre automóveis, que é o grande produto de exportação da Europa, principalmente da Alemanha, aos Estados Unidos. Essa agenda teve um progresso muito grande no início de março, na Alemanha, que é o país da Europa que tem uma grande capacidade de resposta fiscal. É um dos menos endividados do G10, com regras fiscais muito estritas, que vem de traumas de hiperinflações, no plural, por isso é muito disciplinado fiscalmente. E eles aprovaram um pacote, que é um fundo de infraestrutura a 500 milhões de euros, mais de 10% do PIB alemão, para gastos com infraestrutura. Mas o efeito imediato, em 2025, é praticamente zero.

Porque você acha que demora?
Vai ter que criar o fundo, fazer os projetos, aprovar os projetos. Então, até esse fundo virar gastos, demora. É mais para 2026 em diante.

E os gastos com defesa?
A Alemanha também aprovou que qualquer coisa de gasto de defesa acima de 1% não seria levado em conta na regra do limite de déficit fiscal. Mas no resto da Europa ainda não houve a aprovação dos gastos adicionais com defesa, então eles ainda têm regras fiscais bastante estritas. Hoje, o problema da Europa é como compatibilizar, para além da Alemanha que tem espaço fiscal e resolveu usar, essa resposta para o resto do bloco, em particular para a segunda e terceira maior economia que estão hoje no que a gente chama de procedimento de déficit excessivo.

Como esses gastos com armamentos poderiam desencadear investimentos em outras áreas?
Na verdade, a literatura mostra que gastos com defesa têm um efeito multiplicador sobre o PIB muito pequeno. Isso porque não é um investimento produtivo, não gera capacidade produtiva, essa coisa toda. É mais um gasto do que um investimento de fato. E um paper do Banco Central Europeu mostrou, no ano passado, que nos últimos dois anos 73% do gasto da Europa com defesa passou para importações, com 68% vindo dos Estados Unidos.

Vão ter que investir para montar um parque bélico.
É, mas hoje não tem uma indústria pronta para responder a esse gasto todo.