Mainnav

Crédito privado define níveis do próximo ciclo _ Fábio Coelho

Edição 369

Coelho,Fabio(Amec) 23mai 01Na última década, o crescimento da bolsa tornou-se o símbolo do desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. Mais discretamente, no entanto, o mercado de dívida viu um aprofundamento tão significativo quanto o da renda variável, transformando-se em um ecossistema dinâmico, com liquidez, diversidade de players e produtos. Porém, eventos corporativos recentes mostram que, para este mercado seguir evoluindo de forma sustentável, não basta crescer apenas no volume: é preciso desenvolver boas práticas de governança.
Para entender o momento atual da indústria, é preciso voltar duas casas. O crescimento do mercado de crédito privado se intensificou depois da pandemia de Covid-19, com a necessidade de caixa das empresas e apetite de novos investidores para essa classe de ativos. Com isso, o setor deixou de ser um território de baixa liquidez, majoritariamente explorado por grandes casas ligadas à instituições financeiras, para se tornar um mercado com diversos players e produtos com níveis diferentes de apetite ao risco.
Como resultado da combinação de juros em patamares elevados pós-pandemia e demanda dos investidores, o estoque de produtos de dívida corporativa da B3 saltou de R$490 bilhões em 2018 para R$1,6 trilhão no final de 2023. Atualmente, com o país completando três anos sem IPOs, as emissões de dívida têm sido essenciais para manter o dinamismo do mercado de capitais.
Além de enfrentar condições macroeconômicas diversas, é importante ressaltar que o setor mostrou resiliência e seguiu crescendo mesmo diante da crise deflagrada pelo caso Americanas e de episódios como reestruturação da dívida da Light. No entanto, esses casos também despertaram uma reflexão sobre a necessidade de amadurecer as práticas de governança do mercado de crédito privado.
Esses episódios ilustram que, ainda que o volume de emissões de dívida corporativa seja mais expressivo do que o de ações, o setor não avançou na mesma proporção que o acionário em termos de governança corporativa, nem em práticas de mercado. Hoje observamos uma indústria de equity que oferece salvaguardas regulatórias aos direitos dos acionistas e áreas de Relações com Investidores mais preparadas para lidar com esse público — um cenário que começou a ser construído há 25 anos, com a criação do Novo Mercado.
Enquanto o Novo Mercado é reconhecido internacionalmente como uma iniciativa que trouxe pontos de aperfeiçoamento substanciais à conduta das empresas e investidores, tornando-se unanimidade entre os IPOs, é chocante que empresas listadas nele e, portanto, acostumadas a níveis mais elevados de disclosure de informação, dispensem tratamentos tão diferentes entre seus acionistas e credores, com práticas que não correspondem ao esperado pelos detentores de títulos.
Do ponto de vista da regulação para o crédito privado, foram realizados movimentos importantes nos últimos cinco anos como as Resoluções CVM 160 e 161, que consolidaram o regramento para as ofertas públicas, e a Lei 12.431/11, sobre as emissões de debêntures incentivadas para pessoas físicas, que também foi importante para aumentar a liquidez e a sofisticação do mercado secundário. Mais recentemente, contribuições foram acrescentadas pela Resolução CVM 175 para os fundos de investimentos e da Lei 14.195, de 2021, que regula a emissão escritural das notas comerciais.
Contudo, a percepção é que, mesmo diante destes aperfeiçoamentos, que impulsionaram o volume de emissões, o mercado de crédito privado ainda não alcançou o mesmo nível de transparência e desenvolvimento que o mercado de ações. As próprias características desse segmento o tornam mais complexo que a renda variável. Há espaço para aperfeiçoar condutas relacionadas às assembleias de credores, ampliar a equidade de informações entre os atores dessa indústria, melhorar práticas de relacionamento entre companhia e detentores de títulos e a aprimorar a regulação que estabelece o papel e responsabilidade de intermediários da cadeia.
Em outras palavras, em comparação à indústria de equity, o crédito privado ainda é um ambiente hostil, em que prevalecem conflitos de interesse e severas assimetrias de informações, especialmente no mercado secundário. Com isso, os investidores com menores fatias de emissões de dívida corporativa, como as pessoas físicas, encontram dificuldades em serem ouvidos em situações de renegociação.
Se temos um Novo Mercado no equity para a B3, por que não um “Novíssimo Mercado” para a indústria do crédito privado? Já é hora de o segmento da dívida se beneficiar de práticas e estrutura de governança à altura de sua importância para o mercado de capitais. Estamos engajados nesse projeto e, com essa provocação, esperamos fomentar um mercado de dívida mais desenvolvido no Brasil.

Fábio Coelho é presidente da Amec e ex-superintendente da Previc