Edição 369
A quase um mês das reuniões do Fomc e do Copom, apenas fortes mudanças em indicadores e decisões políticas podem impedir o movimento inverso das taxas básicas de juros nos EUA e aqui. Lá, para baixo, como quase anunciado por Powell. Aqui, para cima, como sugerido pela consolidação da postura comprometida com a busca da meta de inflação por Gabriel Galípolo, ainda que atenuada.
A leitura dos membros do Fomc da perspectiva para a economia embasa a conclusão por balanço mais equilibrado de riscos para inflação e atividade. A melhora na composição da inflação (desaceleração em serviços) e o esgotamento de condições de consumo (poupança e dívida das famílias) vai associada a mercado de trabalho que contrata menos e tem vagas ociosas pouco acima do desemprego e tira vigor da alta nominal dos salários.
Na ata divulgada recentemente, ficou registrado que foi considerada a hipótese de redução da FFR em setembro, movimento confirmado por Powell em Jackson Hole. O receio de um mercado de trabalho mais frágil poder levar a uma deterioração mais séria foi levantado.
O Fomc parece ter atingido o momento certo de convergência das expectativas sobre a trajetória dos juros com os participantes do mercado. O risco de a desinflação ocorrer com piora adicional do emprego sustenta a incerteza sobre o ritmo de a extensão do ciclo de queda dos juros básicos. O efeito já presenciado é o dólar mais fraco e algum ganho adicional para as moedas emergentes.
O Copom defronta-se com cenário mais desfavorável. Ademais das usuais dificuldades de incluir a incerteza sobre os juros no exterior e seus efeitos sobre os preços dos ativos dos mercados emergentes, além da resistência da inflação corrente, do mercado de trabalho e da inflação de serviços, as expectativas no horizonte relevante para a política monetária já vinham em deterioração.
Segundo o Copom, a crescente desancoragem das expectativas de inflação e as projeções de mais inflação apesar de mais juros se devem aos “recentes anúncios de política fiscal e [à] percepção de agentes econômicos acerca do compromisso da autoridade monetária com o atingimento da meta ao longo dos anos”. Isto é, na ata da reunião de maio, ficou claro que o compromisso entra no próximo mandato no comando do BC, sem interrupção ou alteração.
Na ata de junho, o caminho para transição “tranquila” no comando do BCB foi pavimentado com o aviso de que o “Comitê monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros”.
A alta do câmbio em julho precipitou a transição de fato no BC: a crescente exposição de um Galípolo mais incisivo, apesar de o eco de Lula se referir a altas e baixas dos juros, e certo acautelamento de um Campos Neto mais moderado. Mais importante, a ata que decretou que, se tais movimentos (câmbio e expectativas de inflação) “se mostrarem persistentes, os impactos inflacionários decorrentes podem ser relevantes e serão devidamente incorporados pelo Comitê”, isto é alta da Selic.
Galípolo subscreveu o recado de que o “Comitê não se furtará de seu compromisso com o atingimento da meta de inflação e entende o papel fundamental das expectativas na dinâmica da inflação”. A briga com as expectativas dos participantes do mercado e da pesquisa Focus tem sido ferrenha: dólar para baixo e curva de juros na horizontal revelam que alta da Selic na próxima reunião não será surpresa.
Mesmo as altas do câmbio e das expectativas de inflação não sendo persistentes, alguma melhora pode não ser suficiente para consolidar a crença dos participantes do mercado no compromisso do novo comando do BC com o atingimento da meta, mesmo que Galípolo tenha discordado do que o mercado escutou. Cabe entregar o “combinado” ou o câmbio volta.
Nem tem adiantado, pegando carona nos fatores de risco de inflação para baixo vistos pelo Copom (inflação e atividade globais), argumentar com o risco para a atividade de novo ciclo de alta da Selic.
E fica o mais (!) difícil: a curva de juros na horizontal veio da alta na ponta curta. A ponta longa – e as expectativas de inflação, a desancoragem das expectativas – vai com as projeções de resultado primário. Aí, houve alguma melhora para 2024, que já não é ponta longa, quase nenhuma para 2025 e 2026. O efeito de déficits primários sobre as projeções dos modelos é inflacionário, dependendo o resultado líquido, entre outras coisas, da contração da demanda privada.
Queda da FFR e alta da Selic ajudam o BC no câmbio e na inflação. Mas a volta da Selic real ex ante para mais do que 7,0% é séria ameaça à estabilização. A arrecadação, ainda que sem certas medidas compensatórias, tem ajudado muito a busca da meta de resultado primário no curto prazo, mesmo que exija contenção de gastos, o que é inevitável.
José Francisco de Lima Gonçalves é professor da FEA-USP e economista-chefe do Banco Fator