Mainnav

Desafios na gestão da renda fixa
Apesar da crise aberta pelo default de Americanas e Light no início do ano, a demanda por crédito privado voltou a ocorrer no segundo semestre

Edição 365

Calixto,Clayton(Santander) 23jun 03Atravessar o primeiro trimestre do ano passado em meio aos reflexos negativos dos eventos de crédito privado no Brasil foi o desafio da indústria de gestão de renda fixa no ano passado. “Os três primeiros meses de 2023 foram muito ruins por conta dos resgates, então o comparativo daquele período com o primeiro trimestre de 2024 mostra uma diferença gritante, com captação recorde na indústria este ano e destaque forte para o crédito privado”, avalia Clayton Calixto, especialista de portfólio da Santander Asset Management.
Na gestora, o crédito privado também foi a estrela e a casa aproveitou a reação favorável nas condições do mercado, desde meados de 2023, para capturar o fechamento dos spreads e a mudança de humor dos investidores. “Lançamos fundos de crédito ligados à infraestrutura, com debêntures incentivadas, que tem captado bem desde o ano passado. Também lançamos uma família de multimercados de crédito privado que tem não só fundos abertos mas inclui fundos de previdência, para aproveitar essa onda mais positiva na classe”, diz Calixto.
Com um volume próximo a R$ 100 bilhões de patrimônio líquido, as estratégias de crédito privado da asset não chegam a ser majoritárias na renda fixa, contudo, porque a parcela de alocação em risco de mercado também é significativa. Mas o crescimento é expressivo, lembra o gestor.
A asset mantém seis profissionais voltados exclusivamente à gestão de crédito privado, incluindo debêntures incentivadas, dois deles dedicados apenas aos ativos de infraestrutura.. Além disso, está ampliando a equipe de analistas, que também tem seis profissionais mas deve receber mais uma pessoa em breve e chegará a sete integrantes, um deles voltado aos FIDC (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios).
“A indústria cresceu bastante e o segmento de debêntures de infraestrutura, em particular, tem visto uma corrida muito grande desde a nova regulação trazida pelo Conselho Monetário Nacional, que impôs restrições à emissão de lastro para compor ativos incentivados”, lembra o gestor.
Há uma corrida em busca de ativos e escassez de oferta porque os emissores estão balizando o melhor momento para emitir, o que cria um bom ambiente para captações. Calixto explica que há demanda e as companhias continuam emitindo, mas alguns bancos originadores de operações acabam fazendo emissões privadas para colocar os títulos em suas tesourarias.
Para ilustrar a forte demanda, a asset fechou algumas estratégias para não diluir resultados porque os cotistas estão com carrego atrativo, como é o caso do fundo de infraestrutura. “Abrimos o Infra III este ano e a captação foi de R$ 100 milhões por dia, o fundo só ficou aberto para captações por cinco dias úteis
Na casa, a cabeça continua positiva para o crédito e a expectativa é de que os ativos performem bem, ainda que não repitam o desempenho de 2023 porque os prêmios já estão menores. “O índice de referência desse mercado, o idex-JGP, saiu de 1,93% para 1,83%, sendo que no mês retrasado havia recuado de 2,23% para 1,93%, perdendo 30 bps. Fica evidente que a velocidade de queda este ano é menor”, afirma Calixto.

Filho,Fausto(XP) 24abrGestão ativa fez diferença - A divulgação de dados díspares de inflação no Brasil e nos EUA, no início de abril, reforçou a percepção de que o ambiente continuará bom para investimentos em renda fixa, avalia Fausto Filho, sócio e gestor responsável pelos fundos de renda fixa e crédito privado da XP Asset Management. “Está parecendo que os bancos centrais vão encontrar mais dificuldade no processo de redução das taxas de juros, o que significa que o mercado terá que conviver com juro mais alto por um período mais prolongado de tempo, o que favorece a renda fixa”, diz.
Nesse cenário, porém, é maior a necessidade de compreender o risco porque juro alto por mais tempo tem consequências para o investimento. Ele lembra que o ambiente é bom para quem busca ativos indexados e de inflação, mas quem precisar sair no meio do caminho pode perder.
No crédito, a preocupação é com as empresas porque sua conta de juros vai continuar elevada, o que significa bons retornos à vista mas também com a necessidade de maior cautela. Em 2023, a reação à fraude de Americanas e o comportamento do investidor, que levou a vendas forçadas, foi mais exacerbada do que se imaginava, lembra o gestor, e trouxe forte reprecificação dos ativos de crédito.
Em 2023, o principal evento foi a fraude de Americanas, que provocou reação exacerbada do mercado. A asset, que tinha exposição aos papéis da companhia em suas carteiras, decidiu participar ativamente de todas as rodadas de renegociação, como protagonista por meio de comitês ad hoc, o que permitiu obter um nível de recuperação próximo ao dos bancos.
“Os nossos fundos não sofreram tanto quanto a média da indústria e no período de janeiro de 2023 a janeiro de 2024 tivemos performance melhor do que a dos concorrentes porque conseguimos nos apropriar bem das oportunidades que surgiram em ativos de bons emissores com preços atraentes”, afirma.
O principal trunfo do ano, acredita o gestor, foi mostrar que a casa é ativa não apenas para operar o mercado secundário mas também para defender o crédito que carrega nas carteiras. “É preciso saber até que ponto gastar energia com uma companhia insolvente e qual é sua condição de recuperabilidade”, diz Fausto Filho.
No caso da Americanas, a recuperação foi buscada judicialmente junto aos acionistas controladores e a movimentação da gestora precisou ser rápida. “Aliás, o mercado de capitais hoje percebe quando o problema vem de eventos exógenos e quais são os prazos e condições para renegociar dívidas. A atuação é mais punitiva em casos de fraude e a Americanas foi uma fraude bisonha”, observa. Embora ninguém tenha “saído feliz” das negociações, ele estima que a recuperação em um setor difícil como o de varejo foi um avanço e que os credores recuperem em torno de 20% a 30% das perdas.
Na parcela de renda fixa composta por títulos públicos, a estratégia da casa sempre foi construtiva em relação às NTN-B, com atenção à sua precificação, procurando alocar com taxas de carregamento próximas de IPCA mais 6%.
“Ainda acredito que a Selic será mais baixa do que está precificado hoje na curva e, enquanto o mercado prevê taxa terminal de 9,75% no ano, nós estimamos que fique em 9%, conta Fausto Filho. A divulgação de um IPCA melhor em abril ajudou a reforçar essa convicção porque a melhora no cenário de inflação veio também nos aspectos qualitativos. “Por mais que as expectativas estejam desancoradas, o cenário de inflação é benigno”, afirma.
Com o juro em queda mais lenta, o ambiente prospectivo para a renda fixa é positivo. “Do lado do crédito há também a mudança na isenção fiscal das debêntures de infraestrutura porque as debêntures incentivadas, que estão bombando para a pessoa física, não são tão interessantes para o institucional”, lembra.
A nova lei torna as debêntures de infraestrutura mais atrativas para os fundos de pensão, mudança que veio na hora certa porque o mercado de debêntures terá condições de se apropriar do cenário de Selic em queda lenta. “Isso nos coloca num sweet spot para esses ativos”, aposta Fausto Filho.

Longo prazo - A classe de renda fixa, que teve destaque em performance, também cresceu em captação líquida na Kinea no ano passado, diz o sócio e CEO da asset, Marcio Verri. “Tivemos um bom 2023, fruto de uma combinação de fatores que busca a construção de um negócio de longo prazo”, afirma.
Além da renda fixa, a gestora teve crescimento expressivo também em fundos previdenciários, classe em que tem conseguido destaque nos últimos anos, segundo Verri, pela entrega de performances acima do que era o padrão do mercado. Os fundos previdenciários têm o mesmo time de gestão e estratégias semelhantes aos fundos abertos.
A expectativa para este ano, diz Verri, é de que haja um aumento do apetite por ativos e estratégias ativas de maior risco no futuro próximo. “O cenário de normalização das taxas de juros, no Brasil e nas principais economias mundiais, trará um ambiente mais favorável para o aumento da alocação em classes de maior risco”, acredita. Essa realocação pode ser particularmente relevante no caso dos investidores institucionais, onde as posições em ações e ativos de maior risco estão em seus níveis mínimos históricos.

Crédito Privado (arquivo em pdf)