Por Adacir Reis *
Para dar mais eficiência à fiscalização das entidades fechadas de previdência complementar com patrocínio público ou estatal, é preciso construir uma solução harmônica em torno das competências do Tribunal de Contas da União - TCU.
Atualmente, como se verá a seguir, o TCU se considera competente para fiscalizar diretamente as entidades previdenciárias com patrocínio público ou estatal. Mas nem sempre foi assim.
Em 2011, após um debate de vários anos com idas e vindas, o Plenário do TCU ratificou o voto do Relator concluindo que a competência para fiscalização das EFPC era apenas “indireta”, ou de “segunda ordem”. Segue a conclusão do TCU de então:
“Reitero nestes autos o entendimento que manifestei quando analisei os recursos acima referidos, no sentido de que compete ao TCU fiscalizar indiretamente os fundos de pensão vinculados a empresas estatais, uma vez que os patrocinadores desses fundos de pensão (por exemplo: Banco do Brasil, Petrobras, Caixa Econômica Federal e Serpro, dentre outros) encontram-se sob o âmbito de controle do TCU, pois: a) integram a Administração Pública, gerindo recursos públicos federais; b) podem ser chamados a equacionar resultado deficitário nos planos ou nas EFPC, nos termos da Lei Complementar nº 109/2001; c) como patrocinadores são responsáveis pela supervisão sistemática das atividades das suas respectivas entidades fechadas, consoante dispõe a referida lei. É a chamada fiscalização de “segunda ordem”.
"Não se trata de abrir mão da competência constitucional atribuída a esta Corte de Contas, e sim, diante das diversas instâncias de regulação e fiscalização das atividades dessas entidades fechadas de previdência complementar mencionadas nesse voto, buscar evitar a duplicidade de esforços e procurar racionalizar e otimizar os trabalhos de fiscalização e o uso de recursos humanos e materiais nesse mister. Enfim, defendo que este Tribunal deve exercer suas competências com eficiência, eficácia e efetividade”. (Processo TC 017.683/2009-5)
Por esse entendimento, o TCU considerava que sua competência deveria se dar em torno da fiscalização dos patrocinadores estatais, e também via Superintendência Nacional de Previdência Complementar - Previc, mas não diretamente junto às entidades de previdência complementar.
Porém, em 2012, a partir de uma consulta formulada ao TCU pelo então Ministério da Previdência Social sobre um episódico conflito de competência com a Previc, o TCU alterou o entendimento de 2011 e chamou, para si próprio, a competência de fiscalizar diretamente as EFPC com patrocínio público, (“competência de primeira ordem”), sob a alegação de que tais entidades previdenciárias administrariam “recursos públicos” (Processo TC 012.517/2012-7).
Ocorre que as contribuições do patrocinador estatal, ao ingressarem no plano previdenciário, tornam-se recursos privados, posto que tais recursos passam a ser titulados por sujeitos determinados, quais sejam, os planos previdenciários e seus participantes e assistidos, numa típica relação contratual civil (Voto divergente e vencedor do Ministro Dias Toffoli - RE 586,453).
Os aportes realizados pelo ente público misturam-se com as contribuições feitas pelos participantes e assistidos e todos eles, sem segregação de origem, são aplicados no mercado de acordo com as regras do Conselho Monetário Nacional, Comissão de Valores Mobiliários, Banco Central e Previc.
Portanto, os entes públicos e empresas estatais, enquanto patrocinadores de planos de previdência complementar, é que estão sujeitos à fiscalização do TCU, não as entidades fechadas de previdência complementar, as quais sabidamente não integram a Administração Pública Direta ou Indireta.
Em nome da “eficiência, eficácia e efetividade” invocadas pelo próprio Plenário do TCU em 2011, o entendimento do TCU de 2012 precisa ser superado. Uma interpretação conforme a Constituição Federal e a legislação especial permitiria uma atuação mais eficiente e harmônica entre TCU, patrocinadores estatais e Previc, sem criar zonas de superposição ou de omissão.
Em síntese, o aprimoramento e o fortalecimento da supervisão das entidades fechadas de previdência complementar com patrocínio público ou estatal passaria por alguns eixos balizadores:
1) Cabe enfatizar que há um órgão federal criado com a missão específica de fiscalizar as EFPCs, tenham elas patrocinadores privados ou estatais. Trata-se da PREVIC, criada pela Lei 12.154/2009, como decorrência da Lei Complementar 109/2001 e do art. 202 da CF. Tal órgão especializado, hoje sob a liderança de um auditor de carreira experiente, com quadros técnicos qualificados, tem competência e capacidade para fiscalizar as EFPCs em suas diversas facetas. A Previc deve ser continuamente valorizada, não enfraquecida.
2) O TCU tem competência para atuar diretamente junto às empresas públicas e estatais, bem como junto aos entes públicos que patrocinam planos de previdência complementar. Para tanto, o TCU dispõe de ministros pautados pelo bom senso e por um corpo técnico de excelência, vocacionado para as finanças públicas.
3) De acordo com a Lei Complementar 108/2001 (art. 25), os patrocinadores públicos e estatais devem promover a “supervisão e fiscalização sistemática das atividades das suas respectivas entidades de previdência complementar”. Além disso, os “resultados da fiscalização e do controle exercidos pelos patrocinadores” devem ser encaminhados à Previc.
Diante desse rol de comandos, o TCU, por iniciativa própria ou por determinação do STF, poderia definir com os patrocinadores estatais e com a Previc um modus operandi que evitasse a atual duplicidade de supervisão. À Previc compete fiscalizar as entidades fechadas de previdência complementar, independente do perfil do patrocinador. Ao TCU compete a fiscalização dos patrocinadores públicos e estatais, bem como dos órgãos públicos.
Como bem assinalado por Roberto Messina , cumpre aos órgãos públicos, incluindo o TCU e a Previc, a observância dos princípios da legalidade, economicidade e eficiência.
Ninguém pretende que se reduza ou se rebaixe o nível de fiscalização sobre a previdência complementar. Pelo contrário. O que não parece razoável é uma EFPC, regida pela LC 108/2001, atender simultaneamente a auditores da Previc e auditores do TCU, em evidente desperdício de esforços e desprestígio da autoridade estatal.
A Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar - ABRAPP, por meio de diversas iniciativas, inclusive junto ao Poder Judiciário, tem defendido a superação das atuais contradições e buscado o aprimoramento da supervisão da previdência complementar.
Para proteger a poupança previdenciária dos participantes e assistidos dos planos de previdência complementar, e também para monitorar os gastos dos poderes públicos e das estatais conforme a preocupação legítima do TCU, é fundamental que se articule uma solução lógica e coerente, por meio da delimitação de competências e o consequente aumento de eficiência do aparato estatal de supervisão.
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*Adacir Reis é advogado, ex-superintendente da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), sócio do Escritório Adacir Reis Advocacia e autor do livro Curso Básico de Previdência Complementar (Editora Revista dos Tribunais)