Edição 375
A administração Trump 2.0 tem causado uma alta volatilidade no mercado global, sendo capaz de mover os preços dos ativos de forma dramática com apenas uma postagem em sua rede social. A elevação de tarifas a nÃveis observados apenas no inÃcio do século passado, combinada a nÃveis de incerteza semelhantes aos da pandemia, levanta questionamentos igualmente esdrúxulos: A guerra comercial afetará a ordem mundial? A economia global entrará em recessão? Os EUA enfrentarão uma estagflação? Os tÃtulos americanos perderão o caráter de porto-seguro do mundo?
Tais indagações demonstram que estamos passando por um momento inédito e possivelmente disruptivo, caso não haja uma reversão das medidas tomadas até agora pelo governo americano.
Em termos cronológicos, é possÃvel separar os anúncios tarifários em dois atos: o pré e o pós “Liberation Dayâ€. No primeiro, Trump impôs 20% de tarifas contra a China, 25% sobre bens do México e Canadá não cobertos pelo USMCA, 25% sobre aço, alumÃnio e automóveis estrangeiros. Grande parte já havia sido aventada por Trump em sua campanha e precificada pelo mercado. No segundo, a partir do Liberation Day, a situação se agravou, de forma inesperada pelo mercado. Trump anunciou uma tarifa mÃnima de 10% sobre seus parceiros comerciais, um adicional de “reciprocidade†em função do déficit comercial com cada um e engajou em uma guerra comercial contra a China, que culminou na imposição de tarifas de um total de 145%.
Após uma forte reação negativa dos mercados e do meio polÃtico, Trump recuou parcialmente, anunciando uma pausa de 90 dias nas tarifas recÃprocas e isenção para artigos eletrônicos, após relatos de que um iPhone poderia encarecer mais de 40% para o consumidor americano. Ainda assim, o patamar de tarifas contra a China é praticamente proibitivo. Caso não haja negociação, a alÃquota média efetiva de importações dos EUA pode atingir o maior valor dos últimos 115 anos, acima de 20%.
Quais são os objetivos de Trump, afinal? É possÃvel listar fatores conjunturais, como defender a indústria doméstica, forçar acordos em setores estratégicos e elevar a arrecadação para compensar futuros cortes de impostos. Também é possÃvel que ele busque uma mudança estrutural, reconfigurando o comércio global por meio de um isolamento do maior mercado produtor do mundo, a China.
Entretanto, esse processo será doloroso para economia americana, resultando em mais inflação e menos crescimento. O encarecimento de insumos e produtos importados ferem o poder de compra e, consequentemente, o consumo. A incerteza provoca um congelamento das decisões de investimento por parte de empresas, sobretudo as importadoras. O aperto de condições financeiras, causado principalmente pela queda do mercado acionário, afeta a riqueza dos agentes econômicos.
Sob esse pano de fundo, o mercado passou a precificar uma maior probabilidade de recessão, não só nos EUA, mas globalmente. Foi notável o movimento de aversão ao risco nos últimos dias, com os investidores buscando ativos seguros como ouro, franco suÃço e yen. No entanto, fugindo ao padrão de aversão a risco, o dólar tem se enfraquecido frente as moedas de paÃses desenvolvidos e os tÃtulos do tesouro americano estão sendo vendidos. As ações de Trump têm erodido a credibilidade dos EUA como porto-seguro e colocado em xeque o excepcionalismo americano.
Ativos arriscados, como moedas de paÃses emergentes, também sofrem. A perspectiva de um menor crescimento mundial impacta negativamente as commodities e, por consequência, paÃses produtores como Brasil. No entanto, em comparação a pares da mesma classe, o Brasil pode estar relativamente menos exposto. Na lista de Trump, o Brasil se enquadrou na menor faixa tarifária (10%), enquanto paÃses asiáticos e europeus foram mais penalizados e terão que negociar as tarifas pós-pausa. Além disso, o Banco Central segue elevando a taxa de juros, tornando o carry trade mais atrativo para investidores estrangeiros frente a paÃses que estão cortando juros.
Em termos de balança comercial, o Brasil também está bem-posicionado. Apesar de alguma redução das exportações para os EUA, o Brasil busca o estreitamento de relações comerciais com outros mercados. Em 2018, na retaliação chinesa à guerra tarifária, houve uma substituição das importações de produtos agrÃcolas americanos, sobretudo soja, por importações brasileiras. Isso pode se repetir e impulsionar as exportações de soja do Brasil – que colhe uma safra recorde esse ano.
Portanto, ainda é cedo para dizer qual será o efeito dessas mudanças sobre a atividade econômica e a inflação brasileiras. De um lado, o cenário de menos crescimento global queda de commodities pode conter pressões inflacionárias, reduzindo a necessidade de aperto monetário, potencialmente adiantando o inÃcio do ciclo de corte de juros. Por outro lado, um agravamento da aversão ao risco por preocupação com uma recessão global poderia pressionar o câmbio e cancelar o efeito desinflacionário da queda das commodities.
Andressa Castro é economista-chefe da BNP Paribas Asset Management