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IN do TCU: overload fiscalizatório _ Flávio Martins Rodrigues e Thiago Cardoso Araújo

Rodrigues AraujoEdição 375

Em março de 2025, o Tribunal de Contas da União - TCU aprovou a Instrução Normativa n° 99/2025. A norma dispõe sobre o monitoramento e a fiscalização sobre as Entidades Fechadas de Previdência Complementar-EFPC patrocinadas por entidades federais. Embora a regra seja aplicável somente para a esfera federal, possivelmente os Tribunais de Contas do Estados seguirão o padrão do TCU.
As EFPC são pessoas jurídicas de direito privado, que possuem uma esfera interna obrigatória de Conselho Deliberativo e Fiscal com tarefas de controle e, eventualmente, de apuração e punição, inclusive com o dever de propositura de ações de ressarcimento por atos ilícitos.
A Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) atua na fiscalização direta sobre as EFPC. Os patrocinadores estatais são responsáveis pela “pela supervisão e fiscalização sistemática das atividades das suas respectivas entidades de previdência complementar” (art. 25 da Lei Complementar n° 108/2001). A Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest) possui competências para a supervisionar a atuação dos patrocinadores federais na gestão de seus fundos de pensão.
Seria necessária uma fiscalização adicional por parte do TCU? A resposta tende a ser negativa, pois parece que se está criando um overload fiscalizatório, que eleva o custo de atendimento a tantas esferas de fiscalização e subtrai valores do processo de capitalização.
A IN 99/2025 instituiu uma rotina de controle, exigindo que os órgãos de fiscalização direta (notadamente, a Previc e Sest) remetam informações periódicas sobre as EFPC e sobre a sua atuação fiscalizatória para o TCU.
A Previc deverá enviar, até o dia 10 de janeiro, o “Programa Anual de Fiscalização” (art. 2º) e, até 30 de abril, “a avaliação atuarial de todos os planos de benefícios patrocinados pelos entes federais (...), indicando expressamente quais planos apresentam déficits atuariais no exercício antecedente passíveis de equacionamento”. Ou seja, o TCU fará um controle rigoroso sobre o desempenho das competências legais da Previc
A Sest, por sua vez, “deverá encaminhar ao TCU, até o terceiro dia útil de cada mês, a relação de todos os planos de equacionamento que lhe foram enviados no mês antecedente”, disponibilizando, para cada plano de benefícios, uma série de documentos, que inclui a minuta do plano de equacionamento e estudos acerca das causas do déficit técnico.
Com fundamento nessas informações da PREVIC e da SEST, o Tribunal exercerá atividade de monitoramento, que considerará os “indicadores de desempenho econômico e de risco das operações e dos planos de benefícios” (art. 8º, § 1º da IN). Não se sabe muito bem como serão calculados tais indicadores.
O Tribunal poderá atuar, “excepcionalmente” (uma expressão um tanto vaga), “na fiscalização direta dos fundos de pensão com patrocinadores estatais federais (art. 3º, p. único) e, “havendo indícios de prejuízos relevantes em operações com valores mobiliários e desequilíbrios atuariais na EFPC, [o Tribunal] poderá realizar ações de controle específicas na entidade e em sua respectiva patrocinadora” (art. 10).
De forma prática, o que muda para os stakeholders do sistema de previdência complementar? Em síntese:
• os órgãos fiscalizadores (Previc, Sest e patrocinadores) sofrerão uma supervisão mais intensa do TCU;
• os fundos de pensão passam a possuir uma nova esfera de fiscalização (TCU), que poderá solicitar dados, esclarecimentos etc. e empreender uma fiscalização direta;
• os dirigentes das EFPC terão que lidar com a possibilidade de responsabilização em processos de Tomada de Contas Especial perante o TCU, visando ao ressarcimento de supostos prejuízos;
• os gestores de EFPC estarão sujeitos, em caso de inadimplemento do dever de ressarcimento, a um processo judicial de execução fiscal dos valores a serem repostos e, também, a possível aplicação de multa de até 100% do valor atualizado do dano causado (art. 57 da Lei n° 8.443/92); e
• os fundos de pensão, que contam com patrocínio de entes públicos estaduais e municipais, poderão ser atingidos por controles análogos, feitos pelos Tribunais de Contas destes entes subnacionais.
A tomada de risco faz parte da gestão de planos de benefícios complementares. O conhecido padrão norte-americano da Business Judgment Rule indica que “não queremos que diretores se tornem tão preocupados a respeito da possível responsabilização que se tornem avessos ao risco em demasia”1.
O excesso de controle, paradoxalmente, pode, no lugar de melhorar a performance dos planos, prejudicar seu desempenho ao criar um ambiente inamistoso para os gestores de EFPC.

1 In, Corporate Governance, Robert A. Monks e Nell Minow, 5ª ed., Chichester: John Wiley & Sons, 2011, p. 268. (tradução livre).

Flavio Martins Rodrigues é sócio sênior de Bocater Advogados, mestre e especialista em previdência complementar; Thiago Cardoso Araújo é sócio de Bocater Advogados, mestre e doutor em direito público